“Caminhante, não há caminho; faz-se caminho ao andar.”
(António Machado, poeta espanhol)
A quem ainda vislumbra uma utopia de esquerda, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos mais assusta do que empolga ao afirmar que o “Socialismo do século 21” está se desenhando na agenda política de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).
Por sua vez, o político e intelectual mexicano Jorge Castañeda entende que há dois tipos de esquerda na América Latina. De um lado, “a boa esquerda”, que seria “reformista, moderna e aberta a novas idéias”, presente, segundo ele, no Chile e em parte das esquerdas brasileira e uruguaia. De outro, aquela representada por Chávez, Morales, Fidel e Kirchner, que seria a “esquerda burra, nacionalista, barulhenta e mentalmente fechada”.
A Conferência "Caio Prado Júnior", encontro suprapartidário que o PPS promoverá no mês de agosto, em Brasília, pretende debater o que é uma esquerda moderna, suas características e o seu projeto transformador para o Brasil, em homenagem ao centenário de nascimento do historiador marxista Caio Prado Júnior (1907-1990).
Reuniões preparatórias estão sendo organizadas em todo o país. Propostas, análises, teses, críticas e sugestões são recebidas pelo PPS e publicadas em um site específico (www.ccpj.org.br).
Personalidades como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Roberto Freire (PPS), Jarbas Vasconcelos (PMDB), Luiza Erundina (PSB), Cristóvam Buarque (PDT) e Fernando Gabeira (PV), entre outros, já estão integrados à conferência política que tem como objetivo contribuir para que a esquerda brasileira defina um projeto para o Brasil, inclusive redefinindo-se como esquerda. Essa é a crise pela qual passa o pensamento progressista em todo o mundo.
Temas como juventude, meio ambiente, crescimento econômico, justiça social, desenvolvimento e distribuição de renda devem estar entre as prioridades dos debatedores.
A necessidade de abrir um amplo e profundo debate com vários setores da sociedade brasileira fundamenta-se diante da constatação de que todos os grandes partidos da esquerda e centro-esquerda, desde a redemocratização, já chegaram ao poder central do país e não atenderam às expectativas de mudanças e de enfrentamento das desigualdades sociais e regionais.
Não é por acaso que a política e os políticos são vistos com desconfiança e até desprezo por ampla e crescente parcela dos brasileiros. Além dos exemplos deploráveis retratados diariamente nos jornais, há toda essa desmontagem dos paradigmas que nortearam utopias e concepções transformadoras ao longo das últimas décadas.
Não existe, em contrapartida, a substituição por modelos que possam reorientar a política até então chamada de esquerda, que historicamente resguardava padrões éticos consagrados pela luta a favor de dias melhores e mais felizes para todos, e buscava concretizar de forma coerente os ideais democráticos, da cidadania plena e da justiça social.
A esquerda parou em uma encruzilhada: ou busca compreender as novas realidades (regionais e mundial), identificando novas formas de enfrentar a complexa transição entre a sociedade industrial e a emergente sociedade do conhecimento, fruto sobretudo de uma célere revolução científico-tecnológica, ou vai ruir definitivamente nestes modelos arcaicos de Chávez e Morales.
Em uma sociedade cada vez mais individualista e predatória, o desafio é como manter viva uma política referenciada pela participação popular, fomentando uma esquerda moderna e democrática, com uma agenda de profundas reformas capazes de dar novo rumo ao país, de forma a superar e deixar para trás práticas e comportamentos que corrompem, que desmobilizam a consciência crítica, que assaltam os recursos do Estado e, assim, colocam o próprio processo democrático em risco.
Neste mix de personagens latinos, concluo com uma frase do cineasta argentino Fernando Birri, citada pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano: “A utopia está no horizonte. Eu sei perfeitamente que nunca a alcançarei. Se eu caminho dois passos, ela se afasta dois passos. Se eu dou dez passos, ela fica dez passos mais distantes. Para que ela serve então? Serve para isso: para caminhar.”
Maurício Huertas, jornalista, secretário de Comunicação do PPS/SP.