domingo, 17 de junho de 2007

Deveria ser óbvio quem é patrão do homem público

Outro dia, Heraldo Corrêa Ayrosa Galvão, militante do PPS/SP e ex-secretário municipal de Esportes, Lazer e Recreação, sugeriu que falássemos sobre a importância de homens e mulheres que ocupam cargos públicos deixarem de lado os privilégios dos cargos (como carro oficial e um exército de assessores, por exemplo) para usar os serviços públicos: transporte, saúde, pegar fila de banco etc.

Só assim, disse Heraldo, para o "homem público" sentir na pele um pouco do que é a rotina do cidadão que, sem demagogia, é o seu patrão. Ficamos de voltar ao tema.

A idéia ficou martelando um tempo na cabeça e quando finalmente ia tomar forma, eis que o jornalista Clóvis Rossi, com algumas décadas a mais de janela e de talento, foi mais rápido e eficaz.

"Deveria haver uma lei obrigando executivos públicos, de todos os níveis, a viver um dia ao mês (ou a cada dois meses, vá lá) como gente normal. Nada de carro oficial com motorista, nada de avião da FAB, nada de ´aspones´ para fugir das filas ou para pagar contas onde quer que seja, nada de privilégios", definiu.

Leia o artigo de Clóvis Rossi na Folha de hoje, na íntegra:

Não dá para relaxar

FRANKFURT - O policial federal de plantão no aeroporto de Cumbica deve ser leitor desta Folha. Vê meu nome no passaporte e logo comenta: "Notícia não te falta, hein?". Depois emenda com um comentário absolutamente impublicável sobre o "relaxa e goza" da ministra Marta Suplicy.

Não foi o único, publicável ou não, ouvido na interminável fila para, primeiro, passar a checagem de segurança e, em seguida, o controle de passaportes. A maioria dos comentários não vem cravado de indignação, mas de desprezo ou ironia, muitas vezes cruel.

Deveria haver uma lei obrigando executivos públicos, de todos os níveis, a viver um dia ao mês (ou a cada dois meses, vá lá) como gente normal. Nada de carro oficial com motorista, nada de avião da FAB, nada de "aspones" para fugir das filas ou para pagar contas onde quer que seja, nada de privilégios.

Talvez assim -só assim- seriam evitados comentários tão imbecis como o da ministra do Turismo. O avião atrasa quase duas horas para decolar, pois, diz o piloto, o controle aéreo de Brasília não o liberou.

Mergulho na leitura de bordo que minha premonitória filha me emprestou. Chama-se "A Distância entre Nós", da indiana-americana Thrity Umrigar. Trata-se da história de duas mulheres, patroa e empregada, unidas por forte amizade, mas separadas pela fronteira invisível da diferença de classe.

Digo premonitória porque o título poderia ser perfeitamente uma alusão ao abismo que separa mortais comuns das autoridades públicas. Até eu, parte da elite e que posso tratar todas elas de "tu a tu", como dizem os espanhóis, sinto-me de outro planeta.
Ainda mais que, na chegada a Frankfurt, há um bom número de funcionários da Lufthansa a postos para acomodar passageiros que perderam sua conexão por causa do atraso em Cumbica. Nenhum deles diz "relaxa e goza".