Dando continuidade à série de contribuições para a Conferência "Caio Prado Júnior", painel de debates suprapartidários que o PPS promove para discutir os novos rumos da esquerda democrática e um projeto viável para o país, o Blog do PPS/SP entrevista Nádia Campeão, presidente estadual do PCdoB de São Paulo e integrante da sua direção nacional.
Paulista de Rio Claro, palmeirense, engenheira agrônoma, mãe de dois filhos, Nádia Campeão foi a primeira mulher a comandar a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação de São Paulo, na administração da prefeita Marta Suplicy (2001-2004).
Nádia ingressou na política em 1978, ainda estudante. De 1980 a 1990, morou em Santa Luzia, interior do Maranhão. Contratada como agrônoma, identificou problemas com a distribuição de renda e virou defensora dos agricultores. Também se destacou em movimentos feministas como diretora da União Brasileira de Mulheres e atuou na coordenação das campanhas da Frente Brasil Popular pela eleição de Lula à Presidência da República. Foi candidata a vice-governadora do petista Aloizio Mercadante em 2006.
Leia a entrevista exclusiva de Nádia Campeão ao Blog do PPS/SP:
Como foi a sua experiência à frente da Secretaria de Esportes de São Paulo? O que aprendeu nesta passagem? Quais as principais realizações? Como o esporte pode servir para a inclusão social de crianças e jovens? Podemos aplicar este modelo em outras secretarias e governos?
Foi uma experiência extremamente positiva, porque é uma posição em que se pode realizar ações concretas, sentir diretamente quais são as demandas da população e desenvolver/acumular elaboração de políticas públicas para a área de esporte e lazer.
O aprendizado é enorme: desde o conhecimento, ainda que insuficiente, da enormidade de desafios que representa a cidade de São Paulo, passando pela importância de se governar em permanente diálogo com a sociedade e as comunidades, até a difícil questão de administrar a coisa pública com rigor, eficácia e transparência.
Considero que as principais realizações durante o mandato à frente da Secretaria foram a implantação de programas continuados como o Recreio nas Férias e os Jogos da Cidade, a construção do projeto esportivo dos CEUs, a recuperação de parte da estrutura esportiva sob administração da prefeitura - reabertura de piscinas, de ginásios (com destaque para o ginásio poliesportivo do Pacaembu), do Centro Olímpico e outras.
Esporte é parte de processos educacionais para crianças e jovens e como tal deve ser visto. A questão social é enfrentada quando se permite o amplo acesso, sobretudo nas periferias, a estas atividades integrantes ou complementares da educação formal, seja em número de horas ou em diversidade de ações.
Na sua opinião, Nádia, o que é ser de esquerda hoje no Brasil?
É manter, no plano das idéias e das ações, postura de contestação ao sistema capitalista predominante no mundo atual, cuja essência é a exploração do trabalho e dos recursos naturais segundo a lógica do lucro máximo, o predomínio avassalador do capital financeiro determinando quais são os limites de desenvolvimento que cabe a cada nação, e a ação imperialista e agressiva das superpotências capitaneadas pelos Estados Unidos.
No Brasil, é a defesa de um projeto nacional que garanta amplo desenvolvimento sustentável com distribuição de renda, soberania frente aos ditames da estratégia neoliberal, a integração de projeto social, econômico e cultural da América Latina, a defesa e ampliação dos direitos sociais, a ampliação da democracia e a luta contra todo tipo de preconceito e discrimnação.
Para o eleitorado, ainda existe uma diferença clara entre esquerda, centro e direita?
Creio que sim, pelo menos para parte do eleitorado. E como o eleitorado brasileiro está cada vez mais informado e incorporado aos processos democráticos, a diferenciação entre posições políticas vai permanecer e será mais compreendida.
Por que os partidos políticos vivem hoje uma crise de identidade?
No geral, existe uma fragilidade dos partidos frente às lideranças políticas e partidárias. Os partidos são necessários para disputar as eleições, mas depois passam a ter papel secundário, são trocados sem que haja perda de mandato, suas decisões não servem como referência para os eleitos. E, em alguns casos, partidos se desgastam quando não praticam aquilo que pregam, alguns nem mesmo têm programa conhecido e consistente.
Qual a importância da Conferência Caio Prado Júnior, realizada para discutir a esquerda democrática e um projeto para o Brasil?
A Conferência certamente já acerta homenageando o pensamento de Caio Prado Júnior. Mas entendo que é tarefa de primeira ordem de todos os brasileiros preocupados com os destinos da nação debruçar-se sobre qual desenvolvimento serve ao nosso país, como enfrentar e superar o ainda enorme abismo social, como aprofundar a democracia e não restringi-la, e qual arco de forças sociais e politicas é capaz de conduzir estes processos.
O PT, considerado o maior partido da esquerda no Brasil, construiu uma ampla aliança partidária para exercer o poder e se viu envolvido em denúncias de corrupção e escândalos. Estes fatos podem trazer alguma consequência para os partidos de esquerda hoje e no futuro?
Amplitude em alianças partidárias são indispensáveis nos processos políticos, mas cumprem seu papel se baseadas em plataformas programáticas e participação em instâncias de decisão frentistas.
Aqueles que se envolveram em casos de corrupção arcam com o ônus das responsabilizações, das investigações, punições e, é claro, na imagem e desempenho eleitoral.
Apesar das tentativas de generalização que nadam ajudam a democracia, de que todos os partidos e políticos são iguais, o tempo e a história vão demonstrando as diferenças.
As políticas assistenciais do governo Lula, que tem o Bolsa-Família como carro-chefe, são eficazes no combate à pobreza e à miséria? Essas medidas podem ser consideradas políticas de esquerda? Por que?
As políticas compensatórias são importantes nas condições do Brasil, em que persiste profunda desigualdade social. Mas não podem se dar em detrimento de políticas públicas de caráter universal e estrutural - saúde e educação públicas de qualidade, entre outras -, nem muito menos da garantia de desenvolvimento nacional, que gere emprego e renda dignas a todos os brasileiros. Estes são os maiores desafios que a esquerda tem que responder.
A reforma política que se discute no Congresso propõe mudanças pontuais, como maior rigor na fidelidade partidária, introdução de listas partidárias fechadas nas eleições, financiamento público de campanha, cláusula de barreira etc., além de colocar em debate temas como o voto distrital e o parlamentarismo. Qual a sua opinião sobre a reforma?
O que o Brasil necessita é de mais democracia e mais pluralismo, de ampliação da participação popular em mecanismos de decisão como referendos, plebiscitos e ações populares, de maior presença da mulher na política, de fortalecimento dos partidos e acesso aos meios de comunicação.
Estes seriam os verdadeiros objetivos de uma Reforma Política democrática. Mas o que se ensaia no Congresso é uma reforma pontual, sob encomenda dos ditos grandes partidos, que querem preservar seus espaços e seus interesses próprios.
Só assim se pode compreender a obsessão pelo retorno da cláusula de barreira, já declarada insconstitucional pelo STF, ou mesmo da adoção do voto distrital.
Após 8 anos desta gestão, o que restará para o esporte nacional com as realizações da dobradinha PC do B / PT no Ministério do Esporte? Onde o país avançou? Onde retrocedemos? O que poderia ter sido diferente?
Só é possível avaliar realmente os quatro anos da primeira gestão do governo Lula e do seu Ministério de Esporte. E acho que foram bastante positivos, inclusive no esporte.
As principais realizações foram a implantação do Programa Segundo Tempo, que eu espero que se consolide e amplie; a aprovação de leis importantes como Estatuto do Torcedor, Bolsa-Atleta e Incentivo Fiscal para o Esporte, que precisam ser regulamentadas e fiscalizadas; e as duas Conferências Nacionais do Esporte que avançaram no debate, na integração e na definição de políticas públicas para o setor.