CLÓVIS ROSSI *
Uma faixa estendida num casarão de Potsdam grita: "Hier ist die Linke".
Tomo até um susto quando a vejo. Avisar que "aqui está a esquerda" é coisa que parecia pertencer à história. Mais ainda quando a esquerda se reapresenta justamente na Alemanha, um dos raros países que menos a necessitam, se por esquerda se entender a velha acepção de corrente cuja prioridade máxima era a busca da justiça social.
Uso o verbo no passado porque a esquerda, em todo o mundo, só fala de justiça social da boca para fora.
Desde pelo menos a queda do Muro de Berlim, há quase 20 anos, anda às tontas buscando adaptar-se de qualquer forma ao capitalismo puro e duro e/ou à ordem.
Na Alemanha, no entanto, o fim de semana marcou o lançamento de um novo partido ("Die Linke", "A Esquerda"). Seu principal líder é um dissidente da social-democracia chamado Oskar Lafontaine, que já foi até ministro da Economia, no começo do governo Gerhard Schröeder, social-democrata que levou o partido para o centro.
O jornal espanhol "El País" informa que "Die Link" tem um potencial de votos de 24% em todo o país.
O novo partido é formado também pelos antigos e reciclados comunistas da Alemanha Oriental. Juntos, dissidentes da social-democracia e ex-comunistas já tem 54 deputados no Parlamento, em um total de 614.
Nas eleições mais recentes (setembro de 2005) tiveram 8,7% dos votos, a quarta força eleitoral, atrás da democracia-cristã, da social-democracia e dos liberais, os três grandes. Compare com os resultados do PSOL e dos partidos trotskistas no Brasil, tudo o que sobrou de esquerda depois da adesão do PT ao conservadorismo e a outras práticas nada ideológicas.
É cedo para dizer se "Die Linke" veio para ficar. Tomara que sim, não por alguma simpatia especial por ela, mas porque dá cor a um debate que se tornou monocromático em demasia.
(* artigo publicado na Folha de S. Paulo de hoje)