sexta-feira, 28 de junho de 2019

Vamos começar a pensar nas eleições de 2020?

Acompanhar o noticiário político ou a renhida polarização nas redes sociais nos dá a impressão de estarmos vivendo um interminável 3º turno das eleições presidenciais.

Pior: ao que tudo indica, esse clima vai predominar também nas eleições municipais de 2020. Assim, parece bastante oportuno começarmos a pensar seriamente nas opções que temos para a Prefeitura e para a Câmara Municipal, para não repetirmos os mesmos erros nas urnas.

Vamos focar inicialmente no cenário de São Paulo, mas não dá para ignorar todo o contexto nacional. Queiramos ou não, a onda Bolsonaro ou anti-Bolsonaro, #LulaLivre ou #LulaPreso, seguirá influenciando o humor da população e interferindo diretamente nas intenções de voto. Pode apostar. O que nos resta, então? Embarcar em um dos lados dessa polarização extremada, que opõe os dois lados da mesma moeda desvalorizada da velha política, ou tentar construir uma proposta alternativa viável e consistente?

Essa opção mais equilibrada, equidistante dos dois pólos mais rançosos, rancorosos e intolerantes, mostrou-se um estrondoso fracasso em 2018. O eleitor fez do 2º turno da disputa presidencial praticamente um plebiscito - e não por acaso elegeu presidente aquele que melhor incorporou o figurino antipetista, refletindo o sentimento dominante da população.

Candidaturas de oposição sempre largam com significativa vantagem em São Paulo (especialmente na Capital, pois no Estado há uma perpetuação tucana desde 1994). Mas vamos analisar os resultados desde a primeira eleição direta, pós-democratização, para a Prefeitura de São Paulo. Em 1985, foi eleito o improvável Jânio Quadros para a sucessão de Mário Covas, último prefeito então chamado de "biônico", indicado pelo governador Franco Montoro, contra o favoritíssimo Fernando Henrique Cardoso.

Começou aí uma incrível sequência de vitórias oposicionistas: primeiro viria outra surpresa, Luiza Erundina, atropelada em seguida por Paulo Maluf (que fez seu sucessor, o "poste" Celso Pitta), derrotado posteriormente de forma humilhante para Marta Suplicy; eleito o oposicionista José Serra, fez do vice Gilberto Kassab seu sucessor (que foi reeleito), para logo ser retomado o tabu da oposição com a eleição de Fernando Haddad e, na mão inversa, João Doria (agora com a ascensão do vice Bruno Covas).

O placar, após 9 eleições paulistanas: Oposição 7 x 2 Situação.

E o que teremos de opções nessa próxima eleição? Quem sai na frente, governo ou oposição? Quais as chances do prefeito Bruno Covas? Até que ponto os apoios do presidente Jair Bolsonaro ou do governador João Doria vão pesar na escolha do eleitor? E o PT, terá força para seguir polarizando como principal sigla oposicionista? Surgirá algum novo nome para surpreender?

Uma novidade nas regras, que não pode jamais ser descartada nos prognósticos para 2020, é a proibição das coligações partidárias para as eleições proporcionais. Ou seja, os partidos podem estar coligados na campanha à Prefeitura, mas cada um terá que lançar sua própria chapa à Câmara Municipal. Isso reforça a importância estratégica do chamado "cabeça de chapa" ao Executivo.

Já existem movimentações no Congresso para tentar emendar novamente a Constituição e voltar a liberar geral, permitindo as coligações também para o Legislativo. Os principais interessados são os partidos pequenos, preocupados com a própria sobrevivência, mas também os grandes partidos querem manter o poder de atração e influência sobre as legendas menores. A controvérsia permanecerá até o final deste ano, prazo máximo para definir as regras eleitorais de 2020.

Quem são os pré-candidatos?

Por enquanto, as peças que se colocam no tabuleiro são essas: Pelo PSDB, o ainda pouco conhecido Bruno Covas tenta a reeleição. Oficialmente, o governador João Doria apóia seu colega de partido e sucessor na Prefeitura. Nos bastidores, porém, estaria incentivando também os amigos e aliados Joice Hasselmann (PSL) e Filipe Sabará (NOVO). Isso, somado ao desgaste natural e à rejeição crescente do PSDB, pode pesar na campanha.

Rixas internas, contudo, não são exclusividade dos tucanos. No bolsonarista PSL, o nome da deputada Joice Hasselmann pode ser preterido inclusive por essa proximidade com o presidenciável João Doria, provável adversário de Bolsonaro em 2022. O senador Major Olímpio e o deputado Eduardo Bolsonaro trabalham para convencer o apresentador José Luiz Datena a disputar a Prefeitura. Seria o novato com maior potencial de gerar um tsunami de votos.

Corre por fora a deputada estadual Janaína Paschoal, recordista na história do Brasil com seus mais de 2 milhões de eleitores, mas ela própria desestimula as sondagens e acena para a pré-candidatura do colega de Assembleia Legislativa, Arthur do Val (Mamãe Falei), liderança do MBL e eleito pelo DEM - que certamente não o lançará à Prefeitura. Ou seja, voltamos à estaca zero.

O PT segue indefinido sobre como deve tentar se reerguer depois das derrotas de 2016 e 2018. Há três vertentes: uma ensaia lançar Fernando Haddad ou até mesmo sua esposa, Ana Estela Haddad; outra entende que chegou a vez de Jilmar Tatto; e ainda uma terceira, minoritária, defende que o partido apoie a candidatura do ex-governador Márcio França (PSB), unindo as forças de centro-esquerda para confrontar o PSDB de Doria e o PSL de Bolsonaro.

Outros nomes que sempre são cogitados como possíveis candidatos: Celso Russomanno (PRB), Andrea Matarazzo (PSD), Paulo Skaf (MDB), Henrique Meirelles (MDB), Eduardo Jorge (PV), Marta Suplicy (sem partido) e, surgindo no cenário como estreante promissora, Tábata Amaral (PDT). Quem mais? E para a Câmara Municipal, o que os partidos pretendem apresentar para melhorar o nível do nosso Legislativo? Afinal, quem nós queremos para nos representar? Sugestões?

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Vereadores do Cidadania de São Paulo votam contra projeto que cria supersalários enquanto reajusta funcionalismo municipal em irrisórios 0,01%

Com o voto contrário dos vereadores do #Cidadania23, Claudio Fonseca e Soninha Francine, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o PL 616/18, que concede apenas 0,01% de reajuste aos servidores municipais paulistanos, como mera formalidade, mas, por outro lado, cria supersalários (acima do teto da Prefeitura) para auditores fiscais.

Isso depois de anexar esse tema meio de "contrabando", em manobra regimental sem muito nexo nem transparência, ao projeto que tratava originalmente do reajuste e incorporação salarial dos funcionários da Educação. Como era de se esperar, a repercussão pública é péssima para o Legislativo.

Fica ainda mais gritante o contraste, no mesmo projeto, entre o reajuste irrisório de 0,01% à grande massa dos servidores e o privilégio de uma categoria específica que pode receber mais de R$ 34 mil (somado o salário na faixa de R$ 24 mil, que é o mesmo do prefeito, com gratificações de até R$ 10 mil).

Para os servidores da Educação, o reajuste será de 3,03% sobre o piso salarial de docentes, gestores e quadros de apoio do setor. O mesmo índice será incorporado sobre os padrões de vencimentos de todos os profissionais de Educação ativos e aposentados.

O vereador Claudio Fonseca, líder do Cidadania, que é também professor e presidente do Simpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), chegou a apresentar projeto substitutivo que previa reajuste geral de 6,84% para o funcionalismo.

“Infelizmente o meu substitutivo foi derrotado, mas ainda assim os profissionais da educação terão 3,03%. E conseguimos assegurar que o pessoal do nível básico e nível médio terá plano de cargos, carreiras e salários. Enquanto isso não acontece, vai ter R$ 200 de abono emergencial e R$ 300 para o nível médio”, explicou o professor Claudio Fonseca.

Também foi aprovada na sessão extraordinária desta quarta-feira, 26 de junho, a última antes do recesso parlamentar de julho, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) referente a 2020, que define as metas fiscais, as prioridades da administração e serve ainda de orientação para a LOA (Lei Orçamentária Anual), que estima as receitas e fixa as despesas do Executivo para o próximo ano. A previsão do orçamento do município para 2020 é de R$ 65,7 bilhões.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Umas perguntinhas sobre a novela Moro x Intercept: #LulaLivre ou #LulaPreso? E aí, STF?

O que aconteceu na 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, justo aquela que se arvora de reunir os maiores "guardiões da Constituição", como Gilmar Mendes e Lewandowski?

Por que ambos divergiram na soltura do Lula? (aliás, quem está certo no voto divergente: Gilmar, que afirmou ser favorável à liberdade mas votou contra o habeas corpus, com a maioria, ou Lewandowski, que votou sozinho a favor?)

E, o mais grave diante dos fatos, por que adiar o julgamento sobre a suspeição do Moro, se tudo é tão ÓBVIO e EVIDENTE, como aprendemos nos ensinamentos disponibilizados a conta-gotas pelo site The Intercept e pela turma que se apresenta como única dona da verdade (em oposição à milícia contrária, tão fanática e idiotizada quanto, mas na mão inversa), que nos censura por ter dúvidas e fazer questionamentos?

Adiar por que? Deixar o Lula preso por mais 40 ou 50 dias só de castigo? Ou será que até a turma supostamente mais legalista do STF, sempre tão isenta, correta e imparcial (ui! até doeu o dedo para escrever esse trecho kkk), resolveu também fazer política? Ou eles não tem tanta certeza sobre tal suspeição? Ou estão com medo da opinião pública? Que estranho!

Leia mais:

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Tentar envolver FHC nos escândalos da Lava Jato parece forçar a barra para justificar o #LulaLivre

#BlogCidadania23 mantém o apoio à Lava Jato

Os 50 anos do Pasquim no #ProgramaDiferente



O #ProgramaDiferente celebra os 50 anos do icônico e provocativo jornal alternativo brasileiro "O Pasquim", editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, que viveu seu auge durante a ditadura militar, como oásis de liberdade, de talento, de humor e de criatividade da contracultura em meio à repressão.

Por incrível que pareça, meio século depois seguem atuais temas como censura, liberdade de imprensa, polarização entre esquerda e direita, e a oposição irreverente de artistas e jornalistas a um governo autoritário no Brasil, inclusive com alguns dos mesmos personagens daquela época. Assista.


terça-feira, 25 de junho de 2019

E você, já tomou partido no julgamento do Moro?

A polarização da moda é ser contra ou a favor o juiz Sergio Moro, que tem as suas conversas privadas publicadas a conta-gotas na imprensa, sob constante ameaça e expectativa de que algo mais explosivo e revelador ainda está por vir.

Não tem como separar a opinião pessoal que cada um tem deste caso dos interesses políticos que estão em jogo. Fala-se muito da suposta parcialidade do juiz e consequentemente da possível nulidade de suas decisões. Será isso mesmo? Ou tudo não passa de uma campanha mal disfarçada contra os resultados da própria Lava Jato? 

Cobrar “imparcialidade” de um juiz em uma Operação com o ineditismo, as dimensões e a complexidade da Lava Jato, que pela primeira vez enfrentou e botou na cadeia alguns dos protagonistas do poder no Brasil, é ser ingênuo ou agir de má fé.

A atuação do juiz Sergio Moro, pelo que as gravações vazadas demonstram até agora, confirma aquilo que todo mundo já sabia: a força-tarefa atuou de forma coordenada para prender corruptos e garantir, dentro da lei, que não houvesse margem de manobra para chicanas jurídicas de advogados espertos para libertar os corruptos condenados, como sempre ocorreu.

Parcialidade do juiz, nesse caso, seria manipular os autos, “fabricar” ou adulterar provas, pressionar depoentes, prender gente inocente, chantagear testemunhas, chancelar ilegalidades ou coisas do tipo. Não é o que se vê nos diálogos grampeados.

A imparcialidade de um juiz, que a lei determina, é para garantir o julgamento justo de todos. Nesse caso, a “parcialidade” flagrada é para garantir a condenação dos culpados, que tiveram e tem ampla defesa em todas as instâncias. Tudo na obediência estrita aos ritos legais. O que seria a “imparcialidade”, então? Liberar os corruptos?

Tudo é política?

Será que viveremos um interminável 3º turno das eleições presidenciais? Tudo gira em torno de ser Bolsonaro ou anti-Bolsonaro, Lula ou anti-Lula.

Aqui, com a licença de leitores, seguidores e simpatizantes, reafirmamos que não somos Lula nem Bolsonaro. Mas isso é quase uma ofensa para a milícia virtual de ambos. Confrontar o pensamento binário que é tendência no Brasil virou um pecado mortal.

Pois aqui nos declaramos pecadores. Críticos de ambos, jamais "isentões".

Aliás, quem é santo nessa história? Os bolsonaristas que defendem Sergio Moro por conveniência e oportunismo, para deixar Lula apodrecer na cadeia e manter a narrativa de que estão aí para "salvar" o Brasil dos comunistas, ou, na mão inversa, os petistas que o atacam exatamente por uma suposta perseguição ideológica ao PT e por essa condenação emblemática que, no fundo, seria mera prisão política?

Não estamos de um lado nem do outro, meus amigos (ou inimigos, tanto faz). Quem tem um pingo de racionalidade e isenção crítica a essa altura, com um inevitável toque de irreverência e sarcasmo, pediria "me inclua fora dessa". Chega de polarização burra!

O que está na berlinda é o Brasil, a democracia, as instituições republicanas. Percebem?

Um último pitaco: o maior erro do ex-juiz Sergio Moro, de tudo o que foi revelado até aqui, não foi a suposta parcialidade na sua atuação à frente da Operação Lava Jato. Isso sempre pareceu óbvio em todas as suas ações, declarações, artigos, palestras, entrevistas etc. Erro mesmo, imperdoável (na nossa humilde opinião), foi tomar partido de Bolsonaro. Essa onda bolsonarista, retrógrada, idiotizada, vai passar e ele vai acabar pagando caro por isso.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Edgar Morin: "O vazio do pensamento, somado à corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favorece os regimes neoautoritários como vemos agora no Brasil"


Às vésperas de completar 98 anos de idade, o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin segue lúcido e atuante, com seus pensamentos e reflexões sobre a vida e o mundo servindo como referência intelectual para muita gente que pensa também o Brasil, a política e a democracia, como tentamos fazer diariamente neste espaço.

A ex-ministra e ex-presidenciável Marina Silva, por exemplo, fundadora da Rede Sustentabilidade, é uma das personalidades políticas que gosta de mencioná-lo entre as suas principais influências. "Qualquer mudança é, em seu começo, apenas um pequeno desvio da rota até então considerada principal", cita Marina.
"Segundo Edgar Morin, vários desses pequenos desvios acontecem, mas nem todos prosperam. Muitos refluem ao leito anterior, deixando apenas vestígios. E, entre os que avançam, alguns podem se agigantar de tal modo que passam a ser a grande mudança, aquela a partir da qual haverá um corte estrutural, gerando a necessidade de novos padrões e alinhando o pensamento humano a novos objetivos, novas escolhas existenciais."

"Dessa visão se depreende que a força para ajudar a prosperar ou inibir certos desvios advém do plano da filosofia, dos valores existenciais e éticos."

"Perguntei a Morin como fazer para que um olhar e uma escuta diferentes identifiquem os primeiros sinais de que se está diante de uma grande mudança, sabendo diferenciá-la de simples ruídos recorrentes do atual sistema. Já nos acomodamos tanto com a direção por onde corre o leito do rio que temos dificuldades de enxergar outros caminhos possíveis."
Nesta entrevista que reproduzimos abaixo, Edgar Morin diz que "seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre". Para ele, a "humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum."

Seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, diz Edgar Morin

Para um dos maiores filósofos vivos, humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum

Úrsula Passos
Folha de S. Paulo


Edgar Morin é um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho, segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e eventos.

O francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina, cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.

Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade.

Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português.

Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha, sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.

O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida, sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está diminuindo e a prosa está ganhando? 

Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho mas da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos materiais.

Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida.

O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho? 

É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem, reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia.

O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte? 

Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.

Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.

Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.

Qual o maior desafio do ensino? 

Não inserimos no programa temas que podem ajudar os jovens, sobretudo quando virarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a realidade e que podemos cair no erro e na ilusão.

Não ensinamos a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos dias, não ensinamos a incerteza, o que é o ser humano, como se nossa identidade humana não fosse de nenhum interesse. As coisas mais importantes a saber não se ensinam.

O senhor disse em uma conferência recente que a democracia ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso? 

Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do imediato. E, como sempre digo, ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial.

A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia, Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.

A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação e a força do dinheiro, que controla a política.

A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder financeiro, que é cego, que vê só os interesses imediatos, não tem consciência do destino da humanidade. A prova é a degradação da biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.

Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas.

Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico, e o desastre dos fanatismos.

A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.

Vemos hoje uma política das identidades. Como conciliar a democracia, o espírito republicano e as lutas identitárias? 

Uma nação é sempre a unidade de diversidades. Se não se vê a unidade, ela se empobrece e perde sua diversidade, e se só se vê a diversidade, ela perde a unidade. O comunitarismo é uma forma degenerada da diversidade necessária, é uma forma fechada para uma demanda justa de se manter ligado a suas origens. Infelizmente hoje perdemos a noção de unidade. Quando as comunidades se tornam importantes, elas esquecem a unidade nacional na qual se encontram.

Estamos numa época de interdependência. Concordo que as nações devam seguir soberanas, mas com soberania relativa, e não absoluta. Desde que haja um problema que diga respeito a toda a espécie humana, as nações deveriam subordinar seus interesses ao interesse coletivo.

O senhor já disse algumas vezes que o sul global, como chama, representa um pensamento anti-hegemônico. Ainda é o caso com a globalização? 

A globalização é a hegemonia dos valores do norte sobre o sul, é a continuação, por meios econômicos, da colonização, que era política. O sul deve resguardar o que conseguir —como os modos de viver— como resistência à hiperforça da técnica, do lucro, do sucesso, e deve conservar a noção de poesia na vida, essa é a missão do sul.

Como fazer isso em países pobres, de democracias instáveis, países menos expressivos no jogo político global? 

Não há uma receita. É preciso resguardar o que há de resistência, valores universalistas, humanistas e planetários, guardá-los enquanto preparamos tempos melhores.

Estamos num movimento perpétuo no qual há um conflito entre as forças de união, de abertura, de democracia, fraternidade, e as forças de luta, de desprezo, de degradação e de morte. Esse conflito, como dizia Freud, entre Eros e Tânatos, é um conflito que existe desde o começo do universo e vai continuar. A questão é saber de que lado se está. Essa é a única questão, o futuro ninguém conhece.

Como pensar modos de combater as fake news? 

As fake news não têm nada de novo, sempre houve notícias falsas. Durante uma dezena de anos a União Soviética dava informações falsas sobre o que acontecia com ela, a China de Mao Tse-tung também, o sistema hitlerista escondeu os campos de concentração. As mentiras políticas e as notícias falsas não são novas, são banais, o novo é a internet, a difusão de notícias que podem vir de qualquer lugar.

O problema é que, se quisermos informar o mundo, precisamos de pluralidade de fontes de informação e pluralidade de opiniões. Precisamos de uma imprensa diversa, com opiniões diversas, para que possamos fazer escolhas. Quando a imprensa perde sua diversidade, quando ela é controlada pela força do dinheiro, há uma diminuição do conhecimento e da informação.

O senhor sempre menciona o deus espinosano, que é intrínseco ao mundo, e não exterior a ele. Mesmo com toda a técnica e ciência que temos, as pessoas seguem com suas crenças num deus transcendental... 

Todas as sociedades, desde a pré-história, têm uma religião, uma crença na vida após a morte. A religião traz pela reza um sentimento que dá calma. Marx tinha razão ao dizer que a religião é o suspiro da criatura infeliz.

Com a morte do comunismo, houve um retorno das religiões. Temos o retorno dos evangélicos aqui no Brasil, do islamismo. Nos países árabes houve movimentos laicos enormes, mas tudo deu errado. A religião ganha onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A religião triunfa no fracasso da modernidade.

Como aceitar a incerteza e lidar com a angústia ou até mesmo o cinismo que advém disso? 

Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a realidade.

Às vésperas de completar 98 anos, o que o estimula a continuar escrevendo e dando conferências? 

Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância —eu tive um grande choque aos dez anos com a morte da minha mãe, eu envelheci muito, mas também isso me bloqueou na infância com a curiosidade e o amor pelo jogo. A sorte do mundo é cada vez mais incerta, não sabemos aonde vamos, então não podemos não estar preocupados com o futuro da espécie humana sobre a Terra.

Ainda há lugar para utopias? 

Há duas utopias. A má e a boa. A má é sonhar com uma sociedade perfeita, totalmente harmonizada; isso não é possível. Mesmo numa sociedade melhor, sempre haverá conflitos. A perfeição não está no universo, não está na humanidade.

A boa utopia é sonhar com coisas impossíveis mas que são, de certa forma, possíveis intelectualmente. 

Por exemplo, hoje há muita fome, mas poderíamos alimentar toda a humanidade, basta desenvolver as culturas, a agricultura orgânica. É possível criar uma sociedade nova com a paz sobre a Terra, podemos pensar no fim dos conflitos entre nações; essa é uma boa utopia. Um mundo que não seja totalmente dominado pelo poder econômico e que seja mais fraterno —é preciso ainda ter utopias.

domingo, 23 de junho de 2019

Marta Suplicy: É a credibilidade! (Com bobagens, Bolsonaro a gastou rapidamente)

A essa altura um grande número de brasileiros já percebeu que o eleito não é bem o que parecia. Alguns, motivados por ideologia das armas, combate à corrupção e posturas conservadoras, ainda permanecem na trincheira. Estes o defendem, não importa onde ou do quê. Tipo seita.

Outros votaram em alguém que conheciam pouco, mas que prometia combater o crime, a corrupção e a “velha política”. Mal sabiam eles sobre a influência dos três filhos e de uma relação com milicianos. Um grande número foi o voto antipetista, preferindo o desconhecido à possibilidade da volta do PT. Acreditavam que a anunciada equipe econômica certamente compensaria o já evidente despreparo do candidato.

Aos poucos, os eleitores estão desacreditando de Jair Bolsonaro. Creio que os primeiros a sentir desconforto foram os do voto antipetista, fulos com a incapacidade do governo em dialogar com o Congresso e a consequente paralisação do Executivo. Estes votos partiram, sem retorno.

Os do meio estão decepcionadas com o tempo gasto em bobagens, mas esperançosos por um milagre. Creem que após a reforma da Previdência as coisas melhorem.

Não vão melhorar. Porque o que permite investimento e confiança dos mercados vai além da esperada reforma. A palavrinha mágica é credibilidade —o que este presidente gastou em pouquíssimo tempo. Com provocações, paranoia exacerbada e picuinhas de adolescente. Agora, que já se vão quase seis meses, fica visível um padrão de comportamento de guerra com quem tem que dialogar e de contínuas manifestações que levam à desagregação política e social.

No início, as brigas “do nada” e os arroubos esquisitos podiam ser interpretados como despreparo, desarticulação, busca de uma identidade no novo papel... Hoje, não mais.

O presidente é uma pessoa muito doente. Tem enorme medo de inimigos imaginários, com sua segurança pessoal (daí sua obsessão com armas, bem antes do crime que o cometeu acontecer). Tem problemas com autoridade e leis, visíveis desde sua demissão do Exército.

Essa necessidade de mostrar autoridade vai ficando cada vez mais evidente quando quer provar que tem razão e propõe desatinos sobre trânsito, política ambiental… Ou quando provoca o presidente da Câmara ao dizer que manda mais do que ele.

Outras falas reveladoras são sobre sexualidade e identidade sexual. As piadas de mau gosto sobre japoneses e o órgão sexual, o fascínio que o faz exibir o “golden shower”, em reforçar abraços héteros.

As obsessões se refletem nas falas improvisadas, nos decretos enviados ao Congresso e em suas posturas idólatras a Olavo de Carvalho, Donald Trump, Binyamin Netanyahu. A identificação com figuras fortes e autoritárias provavelmente lhe dá segurança e gera bem-estar.

É um tipo de personalidade difícil de tratar e melhorar. Com a autoridade e o poder que exerce como presidente, não será agora que vai se modificar. O comprometimento emocional que vive não lhe permite aprender da experiência. É compulsivo e incontrolável. Então, serão mais alguns anos destes desmandos, desvarios, grosserias que envergonham, dizeres e desdizeres.

Estamos fritos —ou o colocamos na seção de entretenimento e tocamos o país do jeito que der.

Marta Suplicy é ex-senadora da República (fev.11 a jan.19), ex-ministra da Cultura (2012-14, gestão Dilma) e do Turismo (2007-08, gestão Lula), e ex-prefeita de São Paulo (2001-04)

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Saindo do armário com o #ProgramaDiferente



Na semana da tradicional Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que acontece neste domingo, 23 de junho, na Avenida Paulista, e poucos dias depois de o STF decidir pela criminalização da homofobia e da transfobia, equiparando essas práticas condenáveis ao crime de racismo, o #ProgramaDiferente mostra como os jovens de hoje "saem do armário" e se assumem gays. A relação com a família, com os amigos, com a religião e todo o preconceito que ainda existe. Assista.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Tentar envolver FHC nos escândalos da Lava Jato parece forçar a barra para justificar o #LulaLivre

Ao escolher o dia do aniversário de 88 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para soltar a conta-gotas mais um trecho das conversas vazadas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato, e, pior, anunciando como bombástico algo que não está expresso no material publicado na série #VazaJato, o jornalista Glenn Greenwald e o site The Intercept abandonam de vez o bom jornalismo para fazer política partidária e campanha #LulaLivre.

Ao afirmar que a Lava Jato "fingiu investigar" FHC, o que se faz é uma tremenda forçada de barra para envolver o tucano no escândalo e com isso tentar comprovar a tese de defesa de Lula, de que a caça aos corruptos é uma operação parcial, politizada, anti-petista, usando justamente o artifício que os advogados e simpatizantes do PT tanto criticaram e ironizaram, na frase atribuída até então aos procuradores: "Não temos provas, mas temos convicção."

Quem tem lado, afinal? A #LavaJato ou a #VazaJato? Hoje não é difícil tirar conclusões. A edição deste material que apenas Gleen Greenwald teve acesso (com sua convicção anti-Moro) permite uma óbvia manipulação política: só vem a público aquilo que lhe interessa para a reação orquestrada dos formadores de opinião e da milícia virtual pró-Lula.

Se é de interesse público, jornalístico, por que não publicar todo o material de uma vez, permitir o acesso a outros jornalistas e veículos de imprensa, ou mesmo entregar a íntegra do conteúdo vazado das conversas privadas - se fossem mesmo tão comprometedoras, e ainda que a fonte seja preservada - às autoridades competentes para as providências cabíveis?

Desde o início defendemos aqui o interesse jornalístico do caso. Jamais embarcamos na estupidez do #DeportaGreenwald, na tentativa covarde e preconceituosa de desqualificação pessoal do jornalista norte-americano e do marido dele, o deputado federal David Miranda (PSOL), ou nas fake news que tentam mostrar que Gleen Greenwald  é financiado por organizações internacionais com interesses políticos na desmoralização da Operação Lava Jato.

Dissemos aqui: "Nem ataque nem defesa da Lava Jato se sustentam em argumentos racionais e consistentes". Até porque a direita bolsonarista é burra demais e a velha esquerda (do PT e de seus satélites) deixa cada vez mais claras as intenções pela nulidade jurídica da condenação do seu corrupto de estimação. Aí é dose embarcar de um lado ou de outro dessa polarização! Não dá! #TôFora

Conclusões da #VazaJato

Pelo material publicado até aqui, frustrante diante de tamanho burburinho e expectativa, o tiro jornalístico (ou político) pode sair pela culatra para quem tinha esperança de soltar Lula ou desmoralizar a Lava Jato.

O apoio popular ao ex-juiz Sergio Moro e à força-tarefa de procuradores, promotores, auditores e policiais federais segue inalterado. Juridicamente também tudo pode permanecer como antes, apesar da tentativa de fritura midiática globalizada.

Convenhamos, se até agora já foram revelados os maiores "podres" de Sergio Moro, ele é quase um santo. Ainda vai acabar canonizado. Qualquer outra figura pública perderia fácil de 7x1. Imagine se a medida de honestidade de cada um de nós fosse expor publicamente as nossas conversas privadas dos últimos cinco anos? Barbaridade!

O que se tem até agora? 1) Um vazamento ilegal, mas de interesse jornalístico; 2) As conversas privadas que não provam nenhum crime ou fraude processual; 3) O conjunto da obra sem nenhum valor jurídico para quem defende o fim da Lava Jato.

Contra a corrente que reprova as ações de Sergio Moro, composta por alguns jornalistas renomados, juristas e formadores de opinião, é interessante ler as opiniões da ex-juíza Denise Frossard, do professor Modesto Carvalhosa e do ex-presidente do STF, Carlos Velloso, para citar apenas três exemplos do outro lado. São elucidativas para quem quer fazer seu próprio juízo de valor sem virar "Maria vai com as outras". Tente. Faz bem.

Por aqui, o #BlogCidadania23 mantém o apoio à Lava Jato. Até que provem o contrário, é uma iniciativa importante, didática e necessária para a depuração da boa política. Vamos em frente!

domingo, 16 de junho de 2019

#BlogCidadania23 mantém o apoio à Lava Jato

Aqui neste espaço fazemos jornalismo e política, jamais religião ou mitologia. Portanto, não seguimos gurus nem idolatramos lideranças populares ou figuras midiáticas. Ao contrário, para citar os exemplos da polarização da moda, criticamos igualmente Lula e Bolsonaro e seus seguidores mais fanáticos e intolerantes.

Também não consideramos Sergio Moro um herói, mas um servidor público que desempenhou uma importante função como juiz e - pelo que entendíamos até ele assumir o ministério da Justiça - um dos idealizadores e responsáveis estratégicos pelo bom andamento da Operação Lava Jato.

Registre-se que sempre defendemos a democracia e o estado de direito.

Portanto, fica a dúvida: Estaremos desviando desses princípios ao manter o apoio à Lava Jato? Por que?

Precisamos responder com clareza e objetividade uma pergunta essencial, em meio a toda essa polêmica:
Consideramos criminosa a participação de Sergio Moro na coordenação das ações da Operação Lava Jato (comprovada agora por meio do vazamento de conversas privadas)? Sim ou não? 
Se SIM, defendemos a nulidade de suas ações? Todas elas ou só aqueles que se referem à condenação do Lula, que são as que foram pinçadas das conversas vazadas e mereceram destaque no material publicado pelo The Intercept
Se NÃO, é importante destacar que em uma Operação complexa e inédita como a Lava Jato parece natural que juiz e MP troquem informações sobre os caminhos jurídicos a tomar e que isso não significa nenhuma ilegalidade, nem tampouco indica fraude ou parcialidade que tenha interferência processual ou implique cerceamento na defesa do réu.
O #BlogCidadania23 é da segunda opinião. Mantemos o apoio à Operação Lava Jato. Entendemos que é fundamental para a democracia depurar a boa política.

Se há crimes, puna-se quem os cometeu. Excessos, ilegalidades, fraudes, idem. E isso vale para todos. Acusados e acusadores. Investigadores e investigados. Réus e vítimas. Corruptos e corruptores. Juízes, policiais, procuradores ou políticos envolvidos.

Até sobre a suposta perseguição exagerada ao Lula já comentamos por aqui, antes mesmo de todo esse escândalo das conversas vazadas, com uma posição bastante clara e objetiva: Chegou a hora de soltar o Lula: ou o Brasil prende todo político corrupto ou não prende ninguém, tá ok? (clique no link e leia até o fim antes de dar opiniões precipitadas e tirar conclusões pelo título, apenas).

Mas nada do que ocorreu até aqui é motivo suficiente para que nós entremos nessa campanha insana pela nulidade da Operação Lava Jato, que ganha corpo entre formadores de opinião e em alguns setores significativos da política e da sociedade.

Apoiamos a Lava Jato: no passado, no presente e no futuro.

Leia também:

#VazaJato: Escândalo sobre mensagens de Sergio Moro ameaça condenações da Operação Lava Jato

#VazaJato: Nem ataque nem defesa da Lava Jato se sustentam em argumentos racionais e consistentes

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Morre o jornalista Clóvis Rossi

Um ícone do jornalismo, sem dúvida. Grande jornalista, excepcional repórter, ser humano de primeira qualidade.

Perdemos mais um dos insubstituíveis! Morre Clóvis Rossi. Morre um pouco a boa informação.

Triste. :´(

Vale reler seus artigos mais recentes, publicados na Folha, outros tantos republicados neste blog, e relembrar alguns de seus pensamentos:

"Num pais de miseráveis não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral."

"Não adianta pregar aos convertidos, é preciso inventar e por em prática meios que arrebatem."

"Jornalismo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da televisão, de imagens. Mas uma batalha nem por isso menos importante do ponto de vista político e social. […] Entrar no universo do jornalismo significa ver essa batalha por dentro, desvendar o mito da objetividade, saber quais são as fontes, discutir a liberdade de imprensa no Brasil."

quarta-feira, 12 de junho de 2019

#VazaJato: Nem ataque nem defesa da Lava Jato se sustentam em argumentos racionais e consistentes

A direita é estúpida demais, insana, inconsequente e incapaz de apresentar uma defesa racional e isenta do trabalho realizado pela Operação Lava Jato sem apelar para esparrelas ideológicas (ou desqualificar o jornalista que publicou as conversas vazadas).

A esquerda, por sua vez, é hipócrita o bastante para fingir surpresa de saber que Sergio Moro atuava como mentor da Operação Lava Jato e trocava figurinhas com Deltan Dallagnol e outras estrelas ascendentes do MP.

Faltavam provas? Ora, santa ingenuidade, há dezenas de entrevistas, palestras, livros, artigos, matérias, filmes, documentários etc. sobre as semelhanças da Lava Jato com a Operação Mãos Limpas e a importância do trabalho estratégico coordenado pelo juiz, pelos procuradores e pelos policiais federais na investigação, na denúncia e na punição dos corruptos. Deles, os “pais” da Lava Jato.

Inclusive de como criar um cerco de proteção à Operação contra a reação que certamente viria, reforçada pelo espírito de corpo (e de porco) dos políticos suspeitos, investigados e condenados e de seus partidos cúmplices.

Enfim, o que as conversas vazadas revelam? Uma articulação para cercar e prender corruptos dentro das normas jurídicas do país. Eles se uniram contra os réus? Oh! Novidade! Mas alguém flagrou alguma tentativa de burlar a defesa dos acusados? Forjaram provas? Inventaram fatos inverídicos? Ameaçaram testemunhas?

Pegaram um juiz e os procuradores que se apresentam desde sempre como moralizadores da política e caçadores de corruptos conversando sobre - surpresa! - como moralizar a política e punir corruptos. Ora, ora...

Se esse papel caberia ou não a eles numa democracia idealizada é outra história. Mas querer a nulidade da Operação Lava Jato alegando terem surgido provas de que o juiz e os procuradores se articularam para encontrar o melhor caminho justamente para prender esses corruptos parece uma verdadeira piada nesta nossa singular republiqueta.

Veja também:

#VazaJato: Escândalo sobre mensagens de Sergio Moro ameaça condenações da Operação Lava Jato

Cem anos da Ordem DeMolay no #ProgramaDiferente



#ProgramaDiferente desta semana fala dos 100 anos da Ordem DeMolay. Mas o que é isso, afinal? Filosofia? Filantropia? Sociedade secreta? Quem são os jovens brasileiros que participam? O que pensam? Como é esse rito de iniciação maçônica? Tem alguma coisa de conspiração illuminati ou de nova ordem mundial? Por que tanto mistério para quem vê de fora? Assista.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Servidor paulistano poderá ter até 5 "meios-feriados": Bruno Covas suspende expediente na Prefeitura em dias de jogos do Brasil na Copa do Mundo Feminina

Se depender da torcida dos funcionários da Prefeitura de São Paulo, a seleção brasileira feminina vai longe na Copa do Mundo da França. Isso porque, assim como o ineditismo de ter pela primeira vez a transmissão ao vivo dos seus jogos pela Rede Globo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) também inova ao suspender o expediente do funcionalismo municipal nos dias de jogos - uma prática que era restrita à seleção masculina.

Há uma possibilidade de até 5 dias de trabalho reduzido em São Paulo. Ou seja, quanto melhor a participação das brasileiras na Copa da França, haverá mais jogos e consequentemente mais folga e menos horas trabalhadas para os servidores paulistanos. Então, obviamente a torcida pelo sucesso das meninas (ou nem tão meninas assim, como Marta, com 33 anos; Cristiane, 34; e Formiga, 41) é total! Dá-lhe, Brasil!

Nesta quinta-feira, 13 de junho, por exemplo, o expediente será suspenso a partir das 11h para o jogo Brasil x Austrália que acontece às 13h. Na próxima terça-feira, dia 18, tem Brasil x Itália às 16h, mas o expediente será encerrado às 14h. Se o Brasil se classificar, o mesmo deve acontecer nas próximas fases (oitavas, quartas e semifinal), com jogos no meio da semana. As horas não trabalhadas devem ser compensadas até 30 de setembro, segundo o decreto do prefeito.

Ainda não há informação se a Câmara Municipal também vai dispensar seus funcionários ou se o horário dos jogos vai interferir no funcionamento do plenário (o jogo de terça-feira, às 16h, por exemplo, acontece num horário que coincide com a realização das sessões). Atualizaremos essa informação assim que estiver disponível.

A medida surpreende pelo fato de a população não estar assim tão ligada na participação do Brasil na Copa Feminina. Com outro detalhe: a concorrência da seleção masculina na Copa América, que terá o seu primeiro jogo nesta sexta à noite e divide as atenções do público. Por enquanto, não há nenhum clima de torcida na cidade, não se vêem bandeiras nem ruas enfeitadas. Covas é, de fato, um torcedor otimista.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

#VazaJato: Escândalo sobre mensagens de Sergio Moro ameaça condenações da Operação Lava Jato

A semana já começa com uma bomba política: conversas vazadas entre o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, e procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato colocam em dúvida a legalidade de suas ações.

De um lado, há quem veja orientação indevida de Moro - que por princípio deveria ser imparcial - nos trabalhos de investigação e acusação do Ministério Público. Do outro lado, está quem acredita que o vazamento das conversas tenha como finalidade desmoralizar a Lava Jato e anular condenações.

A publicação do escândalo - que ganhou repercussão imediata nas redes com a hashtag #VazaJato - é responsabilidade do jornalista Glenn Greenwald, fundador do portal de notícias The Intercept e que ficou conhecido mundialmente após ajudar o ex-analista de sistemas da CIA, Edward Snowden, a tornar públicos detalhes sigilosos de vários programas que constituem o sistema de vigilância global dos Estados Unidos.

O jornalista Gleen Greenwald é casado com o deputado federal David Miranda (PSOL/RJ), que também ficou conhecido naquele episódio por ajudar na obtenção dos dados para publicação em diversos jornais, e tomou posse na Câmara neste ano com a renúncia do deputado Jean Wyllys, pois até então era suplente do partido e assumiu a titularidade do cargo.

"O arquivo fornecido pela nossa fonte sobre o Brasil é um dos maiores da história do jornalismo", afirma Greenwald. "Ele contém segredos explosivos em chats, áudios, vídeos, fotos e documentos sobre Deltan Dallagnol, Sergio Moro e muitas facções poderosas."


Cá entre nós, não é surpresa nenhuma esses contatos entre o juiz Sergio Moro, promotores, procuradores, policiais federais e setores da imprensa. Todos sempre se apresentaram como partícipes de uma megaoperação contra a corrupção no Brasil - nos mesmos moldes da italiana Mãos Limpas.

Resta saber o tamanho do estrago da revelação dessas conversas hackeadas e o resultado da guerra que se dará pela intrincada rede de interesses poderosos em jogo, entre os defensores e os inimigos da Lava Jato. Será o fim das operações nesses moldes? Haverá anulação de sentenças? Que tipo de reação política terá o Congresso Nacional? E o Supremo Tribunal Federal, como vai reagir?

Para relembrar:

Os cinco anos da Operação Lava Jato no #ProgramaDiferente

Deltan Dallagnol: Unidos Contra a Corrupção no #ProgramaDiferente

'Ninguém está acima da lei', discursa o juiz Sergio Moro, em inglês, na cerimônia de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos

#ProgramaDiferente com Deltan Dallagnol, Guilherme Leal e Carlos Melo trata da Lava Jato, da luta contra a corrupção e do agravamento da crise política

#ProgramaDiferente debate semelhanças e diferenças entre a Operação Lava Jato, no Brasil, e a Mãos Limpas, na Itália: Quais são os efeitos práticos e as limitações do combate eficaz à corrupção na política?

Veja a íntegra do discurso de Lula antes de ser preso e o fascismo de uma seita de lulistas fanáticos contra os repórteres no Dia do Jornalista

2013-2018: Cinco anos dos movimentos pela renovação da política no Brasil

Lava Jato e Mãos Limpas: o efeito, as consequências e os inimigos das duas maiores operações contra a corrupção no Brasil e na Itália

O juiz Sergio Moro e a ministra Cármen Lúcia no Fórum Mitos & Fatos

Enfim, o dia que o Brasil inteiro esperava: a primeira condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato

Campanha em defesa de Lula parte para o ataque contra o juiz Sergio Moro, enquanto a Operação Lava Jato fecha o cerco contra o ex-presidente

Manifestação #ForaDilma na reta final do processo de impeachment mostra que população segue mobilizada contra a corrupção e no apoio a Sergio Moro

Guerra do partido da estrela: o petismo contra-ataca a Lava Jato

#ProgramaDiferente trata do combate à corrupção e da necessidade da reforma política, ao exibir palestras de Sergio Moro e de Fernando Gabeira

O filme "Polícia Federal - A Lei É Para Todos", sobre os bastidores da Operação Lava Jato, já é a maior bilheteria do cinema nacional em 2017

Tudo sobre o impeachment: reveja no #ProgramaDiferente

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Vetada homenagem aos 35 anos do MST no chamado "plenário virtual" da Câmara Municipal de São Paulo

Em uma semana marcada pelo cancelamento da sessão de terça-feira, 4 de junho, e da reunião do colégio de líderes por luto (morreu Ignês Fontana Tatto, mãe dos vereadores Arselino Tatto e Jair Tatto, do deputado estadual Enio Tatto, do deputado federal Nilto Tatto e do vice presidente do diretório estadual do PT e ex-secretário de Transportes, Jilmar Tatto), apenas o chamado "plenário virtual" apresentou resultados objetivos, com a conclusão da 2ª rodada de votação digital dos projetos de honrarias e homenagens.

Desta vez, como prevíamos, o embate ideológico ficou mais nítido. Foi barrada a concessão de uma salva de prata pelos 35 anos do MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, proposta exatamente por um dos integrantes do clã dos Tatto, o vereador Jair, caçula da "Tattolândia". Outros 14 projetos foram aprovados, mas também receberam alguns votos contrários.

Além de não atingir o quórum mínimo exigido para aprovação (eram necessários 37 votos, ou 2/3 dos 55 vereadores, mas a homenagem ao MST recebeu apenas 33 votos favoráveis e 5 contrários, além de 4 abstenções), o vereador Fernando Holiday (DEM) solicitou que o projeto seja levado ao plenário tradicional para discussão. Normalmente aprovadas de forma simbólica, essas homenagens só costumam emperrar quando são confrontadas por questões ideológicas.

"Eu me posiciono contrariamente porque entendo que o MST é uma organização terrorista que há anos atenta contra a liberdade e o direito à propriedade dos brasileiros", afirmou Holiday, um dos expoentes do MBL, o Movimento Brasil Livre, expressão da "nova direita" brasileira. 

"É lamentável que o parlamento municipal tenha que perder tempo e dinheiro com um projeto que, além de inútil, flerta com a criminalidade e zomba de brasileiros que estão sendo prejudicados por este movimento antidemocrático e que deveria ser rechaçado por qualquer parlamento que se dê ao respeito", concluiu o vereador do DEM.

Também votaram contra a homenagem ao MST os vereadores André Santos (PRB), Dalton Silvano (DEM), Gilberto Nascimento (PSC), Janaína Lima (Novo) e Xexéu Tripoli (PV). As abstenções registradas foram de Aurélio Nomura (PSDB), Rinaldi Digilio (PRB), Rute Costa (PSD) e Toninho Paiva (PL). Outros 12 vereadores simplesmente não votaram.

Apenas duas homenagens foram aprovadas por unanimidade de votos (47 vereadores favoráveis e 8 ausentes): Maria da Penha Maia Fernandes, inspiradora da chamada "Lei Maria da Penha", e Tadao Yamashita, vice-presidente do Conselho Deliberativo da Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo e membro da Comissão do Conselho do Hospital Nipo-Brasileiro.

Todos os demais homenageados, embora aprovados, tiveram algum grau de rejeição, fundamentalmente por questões ideológicas ou até religiosas, como o voto contrário do evangélico André Santos (PRB) ao empresário Facundo Guerra, dono de bares e casas noturnas, ou três votos contrários (notadamente antipetistas) à escritora Conceição Evaristo, mulher de origem humilde e uma das mais importantes ativistas do movimento negro na cultura brasileira.

Por outro lado, a homenagem à empresária Josefa Adecilda Silva Araújo, conhecida popularmente como Sylvia Design, aprovada com 44 votos, teve apenas o registro da abstenção de Toninho Vespoli (PSOL), enquanto mereceu uma exaltação especial da vereadora Edir Sales (PSD).

"A ilustre homenageada é do time das mulheres guerreiras, valentes e vitoriosas da nossa cidade. De empacotadora a empresária de sucesso. Dessa forma, apoio a presente congratulação com meus sinceros cumprimentos, o que muito engrandece a cidade de São Paulo com sua nova filha. Seja bem vinda!", deixou consignado a vereadora ao registrar seu voto digital.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Hoje o #ProgramaDiferente é 100% vegano



No Dia Mundial do Meio Ambiente, o #ProgramaDiferente é 100% Vegano. Mas, afinal, o que é veganismo? Quais as diferenças entre vegano e vegetariano? O que propõem o veganismo? O que os veganos comem? Quem são? Como vivem? É possível um mundo vegano? Na questão da alimentação, faz bem ou mal à saúde? E os animais tem direitos? Assista.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Cinquenta anos em cinco meses (de retrocesso)

Eu não queria nem Bolsonaro nem o PT na Presidência. Então, saí derrotado das eleições, obviamente. Perdi feio. O que não me torna agora um "isentão", porém não me faz também cúmplice dessa polarização insana das duas bolhas de lunáticos à esquerda e à direita.

Sigo crítico do petismo e do bolsonarismo, embora os petistas já tenham sido defenestrados, enquanto os bolsonaristas se refestelam como novos inquilinos do poder. São a bola da vez.

Feitas as devidas apresentações, com passe livre para ser odiado pelos fãs-clubes de fiéis e fanáticos de ambos os lados, cada qual com seus criminosos de estimação, exponho a minha preocupação com o Brasil dividido - o que não é necessariamente uma evidência democrática. Ao contrário, parece um risco iminente às nossas instituições e à vitalidade do estado democrático de direito.

Não estou satisfeito com a política brasileira. Não gosto de político corrupto. Não aprecio mitos nem arremedos de ditadores. Não acredito em salvadores da Pátria. Ou seja, ao mesmo tempo em que faço coro no grito por mudança, não me encaixo no perfil típico das milícias virtuais, nem de um nem do outro. Mas também não julgo todo e qualquer político ruim. Não generalizo. Acho que a solução passa obrigatoriamente pela política. Nova ou velha, tanto faz. Mas boa, certamente. Precisamos urgente da boa política.

E o que temos hoje nas linhas de frente do governo e da oposição? Lixo tóxico! Fichas sujas, populistas, demagogos, hipócritas. Estão em alta as celebridades instantâneas das redes, algumas tão ou mais deletérias que o mais velhaco dos políticos tradicionais. O filtro ideológico não impede a ascensão da escória na mão inversa. Longe disso, o voto de ódio é quase um espelho. Reflete os dois lados da mesma moeda da péssima política. Daí herdarmos igualmente destros e canhotos incapazes, despreparados, desqualificados.

O que é o presidente Jair Bolsonaro senão um JK caipora, que desfaz cinquenta anos em cinco meses, um milico curupira com os pés voltados para trás? Será verdadeiramente um mito, como anuncia o séquito bolsonarista, ou simplesmente um personagem folclórico? Uma anomalia eleitoral? Um Midas às avessas que contamina tudo aquilo que toca, num país com economia vegetativa e a sociedade à beira da septicemia?

Pois veja que, em apenas cinco meses, Bolsonaro e sua prole já conseguiram a proeza de enfraquecer todos os seus pilares de sustentação: das olavetes aos militares; da suposta reserva moral de Sergio Moro, que dissolve em praça pública, ao reformismo de Paulo Guedes, o Posto Ipiranga que às vezes também parece abandonado à própria sorte, correndo o risco de parar no meio do caminho por conta do combustível adulterado.

Quais as prioridades destes cinco meses de governo? Facilitar a posse e o porte de armas? Anistiar predadores ambientais? Proteger infratores de trânsito? Combater a ideologia de gênero? Confrontar um suposto marxismo cultural, pelo qual se justificam os mais diversos ataques à educação e à cultura? Fustigar comunistas imaginários? Esconjurar Paulo Freire? Inculcar a ideia de um evangélico no Supremo? Patrulhar o comportamento alheio?

Seria um zero à esquerda, não fosse a impropriedade de atribuir tal expressão popular a um extremista de direita. Um nada! Aliás, lembro de um exemplo lúdico que ilustra bem a queda do muro, à qual os bolsonaristas parecem ainda não terem se dado conta: o filme "Adeus, Lênin!". Talvez falte a esses reaças que pretendem reescrever e reinterpretar a História um "Adeus, Ustra!".

E que o futuro do Brasil, o nosso destino, seja esse: voltar aos rumos da boa política. Não apagar o passado nem tentar maquiar os fatos de acordo com aquilo que nos agrada ideologicamente, mas aprendendo com os erros cometidos para não repeti-los. É inegável que Bolsonaro já tem o seu lugar na História. O meme que virou presidente. Um erro histórico, sem dúvidas. Uma página a ser virada em breve!

Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do #Cidadania23 em São Paulo, líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do #BlogCidadania23 e apresentador do #ProgramaDiferente.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Uma boa reflexão sobre o novo cenário político

Um texto necessário para nossa leitura e reflexão. Foi publicado nesta segunda-feira, 3 de junho, na Folha de S. Paulo. Vale a leitura.

O Pós-PSDB

O divórcio entre o PSDB e suas origens na esquerda foi assinado

A convenção nacional do PSDB na última sexta-feira (31) consolidou a candidatura de João Doria à Presidência da República e o definitivo reposicionamento do PSDB no campo da direita. Nada de errado nisso, boa sorte para os caras.

A história dos tucanos é um caso interessantíssimo para a ciência política: foi um caso claro em que a posição do partido dentro da disputa nacional determinou mais seu desenvolvimento do que a ideologia inicial de seus fundadores.

O "social democracia" no nome do partido era de verdade. A maior parte dos fundadores do PSDB vinha da centro esquerda, da melhor centro esquerda: FHC, Covas, Serra, Bresser,

Gente fundamental na briga por introduzir a pauta dos direitos sociais na Constituição de 1988. Na verdade, a atuação incontestavelmente de esquerda do PSDB aconteceu aí, antes de sua fundação.

Mas PSDB nunca foi um nome que nomeasse muito bem a coisa. Os partidos sociais-democratas europeus sempre foram estruturados em torno dos sindicatos. Quando o PSDB escolheu seu nome, Franco Montoro advertiu: se o PT moderar o discurso, os sociais-democratas serão eles.

Talvez por essa inconsistência o PSDB tenha sido o único grande partido conhecido mais por sua mascote (o tucano) do que por sua sigla.

Mas a tensão ideológica dentro do partido não se deve apenas à origem de seus fundadores na oposição à ditadura militar.

O PSDB só virou protagonista nacional quando FHC lançou o Plano Real (não, não foi o Itamar, parem com isso). E o Plano Real foi um negócio politicamente muito singular.

No começo dos anos 1990, excepcionalmente, o que era prioritário para a administração macroeconômica também era prioritário para o combate às desigualdades: derrotar a hiperinflação.

Foi nessa confluência que a singular coalizão de políticos sociais-democratas e economistas ortodoxos gerou o PSDB moderno.

Não há a menor garantia de que essa circunstância vá se repetir sempre. É muito comum, e talvez seja a regra, que medidas necessárias à estabilidade econômica gerem mais desigualdade. Por isso, aliás, políticas redistributivas são necessárias.

Eventualmente, a disputa com o PT fez do PSDB o ponto de convergência da direita brasileira. Quem entrou no PSDB a partir do meio dos anos 90 já entrou querendo brigar com a esquerda. As pautas levantadas pelos tucanos, a maneira como votaram no Congresso a partir daí, refletiram essa virada.

Foi um longo processo, mas o divórcio entre o PSDB e suas origens na esquerda foi assinado na última sexta-feira. O PSDB de Doria é um partido claramente de direita, que está, sim, como Gengis Khan, mais ao centro do que Bolsonaro.

Não sei se vai dar certo. Se Bolsonaro for um sucesso, por que alguém votaria em Doria? E se não for, o discurso de direita ainda vai soar tão atraente? Na centro direita, Doria enfrentará a concorrência do DEM e do partido que deve se formar em torno da candidatura de Luciano Huck.

Agora a bandeira social-democrata está esperando que alguém no Brasil a pegue do chão. Se ao menos houvesse no Brasil um partido com base sindical sólida, experiência com políticas de redistribuição de renda e que estivesse precisando reciclar seu discurso, talvez fosse possível fazer alguma coisa a esse respeito.

Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).