domingo, 23 de junho de 2019

Marta Suplicy: É a credibilidade! (Com bobagens, Bolsonaro a gastou rapidamente)

A essa altura um grande número de brasileiros já percebeu que o eleito não é bem o que parecia. Alguns, motivados por ideologia das armas, combate à corrupção e posturas conservadoras, ainda permanecem na trincheira. Estes o defendem, não importa onde ou do quê. Tipo seita.

Outros votaram em alguém que conheciam pouco, mas que prometia combater o crime, a corrupção e a “velha política”. Mal sabiam eles sobre a influência dos três filhos e de uma relação com milicianos. Um grande número foi o voto antipetista, preferindo o desconhecido à possibilidade da volta do PT. Acreditavam que a anunciada equipe econômica certamente compensaria o já evidente despreparo do candidato.

Aos poucos, os eleitores estão desacreditando de Jair Bolsonaro. Creio que os primeiros a sentir desconforto foram os do voto antipetista, fulos com a incapacidade do governo em dialogar com o Congresso e a consequente paralisação do Executivo. Estes votos partiram, sem retorno.

Os do meio estão decepcionadas com o tempo gasto em bobagens, mas esperançosos por um milagre. Creem que após a reforma da Previdência as coisas melhorem.

Não vão melhorar. Porque o que permite investimento e confiança dos mercados vai além da esperada reforma. A palavrinha mágica é credibilidade —o que este presidente gastou em pouquíssimo tempo. Com provocações, paranoia exacerbada e picuinhas de adolescente. Agora, que já se vão quase seis meses, fica visível um padrão de comportamento de guerra com quem tem que dialogar e de contínuas manifestações que levam à desagregação política e social.

No início, as brigas “do nada” e os arroubos esquisitos podiam ser interpretados como despreparo, desarticulação, busca de uma identidade no novo papel... Hoje, não mais.

O presidente é uma pessoa muito doente. Tem enorme medo de inimigos imaginários, com sua segurança pessoal (daí sua obsessão com armas, bem antes do crime que o cometeu acontecer). Tem problemas com autoridade e leis, visíveis desde sua demissão do Exército.

Essa necessidade de mostrar autoridade vai ficando cada vez mais evidente quando quer provar que tem razão e propõe desatinos sobre trânsito, política ambiental… Ou quando provoca o presidente da Câmara ao dizer que manda mais do que ele.

Outras falas reveladoras são sobre sexualidade e identidade sexual. As piadas de mau gosto sobre japoneses e o órgão sexual, o fascínio que o faz exibir o “golden shower”, em reforçar abraços héteros.

As obsessões se refletem nas falas improvisadas, nos decretos enviados ao Congresso e em suas posturas idólatras a Olavo de Carvalho, Donald Trump, Binyamin Netanyahu. A identificação com figuras fortes e autoritárias provavelmente lhe dá segurança e gera bem-estar.

É um tipo de personalidade difícil de tratar e melhorar. Com a autoridade e o poder que exerce como presidente, não será agora que vai se modificar. O comprometimento emocional que vive não lhe permite aprender da experiência. É compulsivo e incontrolável. Então, serão mais alguns anos destes desmandos, desvarios, grosserias que envergonham, dizeres e desdizeres.

Estamos fritos —ou o colocamos na seção de entretenimento e tocamos o país do jeito que der.

Marta Suplicy é ex-senadora da República (fev.11 a jan.19), ex-ministra da Cultura (2012-14, gestão Dilma) e do Turismo (2007-08, gestão Lula), e ex-prefeita de São Paulo (2001-04)