Não por acaso, o jornal detalhava a crise da Prefeitura em uma arte intitulada "Todos os homens do Prefeito", que fazia referência irônica ao filme "Todos os Homens do Presidente", sobre o famoso escândalo do Watergate. Afinal, guardadas as devidas proporções, repetia-se o roteiro da complexa rede de corrupção que se tornou paradigma mundial.
Há 15 anos, com as primeiras revelações da "máfia dos fiscais" e decisões impopulares, o então prefeito caía em descrédito e começava a prejudicar, às vésperas das eleições, tanto o seu próprio partido (presidido pelo padrinho Paulo Maluf, que pagaria pela língua) quanto o dos aliados, tendo à frente o então PFL.
E, coincidências à parte (se bem que o acaso não existe em política), além da perpetuação daquela "máfia dos fiscais", também a cúpula do PFL, protagonista de uma intervenção salvacionista da administração municipal, estava representada por personagens que se repetem hoje no PSD: Gilberto Kassab, Guilherme Afif Domingos e Claudio Lembo. Todos juntos e satisfeitos (com Maluf, Sarney, Collor & cia.) na base de sustentação do PT.
Para completar o quadro, que Marx diria ser "a história que se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa", o noticiário dá conta da intervenção iminente de Lula e Dilma na Prefeitura, para preservar a campanha do ministro Alexandre Padilha ao Governo do Estado em 2014, enquanto o prefeito Fernando Haddad concede uma entrevista surreal à mesma Folha de S. Paulo, neste domingo.
Um trecho de 1998, transcrito ipsis litteris, revela o desespero e desconexão da realidade: "Eu insisto: não adianta qualquer tentativa de intrigar mim e Paulo Maluf. É absoluta perda de tempo. As tentativas se repetem monotonamente. É eu e Paulo Maluf em conflito. É eu e o governador Covas em conflito. É eu e a Câmara Municipal em conflito", disse Pitta em tom alterado, atropelando a língua portuguesa.
Agora, o petista Haddad parece entrar pelo mesmo caminho sem volta: a submissão ao padrinho político, que já manifesta sua contrariedade (lembra Maluf?), a inabilidade política e a tentativa desesperada de ser um "xerife" contra a corrupção (esse script não dá certo desde o varre-varre vassourinha de Jânio, passando pelo "caçador de marajás" Fernando Collor, até a "faxina ética" anunciada por Dilma).
"A situação era a pior possível do ponto de vista ético. Havia uma degradação. Nichos instalados e empoderados. Havia uma percepção de degradação. Uma situação de descalabro", declara o caça-corruptos Haddad, com um inexplicável filtro ético que deixa escapar desta sua indignação fake os próprios companheiros denunciados.
Depois Haddad tenta nos convencer que a Controladoria é "um divisor de águas". Ele ressalta: "A Controladoria tem duas ou três características importantes. A primeira é a autonomia. Ela não presta contas ao prefeito. O Spinelli (controlador-geral) não presta contas a mim. Não pede permissão para investigar este ou aquele procedimento. Não tem o dever de sequer me comunicar."
Tudo certo até o ponto em que o prefeito anunciou em tom heroico que havia pago do próprio bolso um "QG de investigação", alugando uma sala em parceria com Mário Vinicius Spinelli, que foi seu fiador, para realizar uma "escuta ambiental" ao lado do escritório conhecido como "ninho da corrupção". E a versão da autonomia da Controladoria, em vez de ser um "divisor de águas", vai por água abaixo.
As contradições são gritantes: de tão "autônoma", o prefeito fez crer num primeiro momento à jornalista Monica Bergamo que ele próprio estava sabendo das investigações da Controladoria "pelos jornais". Agora, faz questão de se mostrar "envolvido na divulgação de cada passo dessa investigação", como lhe questiona a Folha sobre os "riscos políticos" de tal postura.
Para a seguinte resposta de Haddad: "Se conseguir convencer a sociedade de que a Controladoria é um marco que pode ser disseminado pelo país, terei feito o melhor para a cidade. Penso mais nisso que no cálculo político, de curto prazo. Quando criamos este órgão, sabíamos que ele envolvia riscos de natureza política na exata medida em que envolve uma solidez do ponto de vista ético e moral. Os benefícios no campo da ética são tão superiores e mais consistentes que os riscos políticos que nem coloco as duas coisas na balança. É uma covardia medir os ganhos éticos com os eventuais prejuízos políticos."
A resposta que se espera de um homem digno, sério, ético, equilibrado, mas que infelizmente não resiste nem mesmo às três perguntas seguintes:
Seu principal secretário, Antonio Donato, é citado em quatro episódios desta investigação. Por que não foi aberta investigação em torno dele?
Olha... O Donato acompanhou, até como secretário de Governo, os procedimentos adotados nas investigações. O fato narrado em 2008...
Há fatos recentes do Ronilson Rodrigues, tido como chefe da máfia do ISS, o procurando.
Isso não é negado. Ronilson entregou dois estudos à minha campanha: sobre ISS e sobre IPVA. Participou da transição, indicado pela administração anterior.
E o sr. não pretende abrir uma investigação do Donato?
Os fatos sobre a campanha de 2008 têm de ser investigados pelo Tribunal Regional Eleitoral, se o órgão julgar que deve... [Donato teria recebido dinheiro dos acusados em sua campanha; ele nega].
Voltando à comparação inicial com o Watergate, que envolvia "todos os homens do presidente", além do próprio (e as atuais denúncias que envolvem a alta cúpula da Prefeitura de São Paulo são cada vez mais explícitas de detalhadas), talvez seja pertinente seguir um sábio ensinamento: "Siga o dinheiro", foi a expressão dos denunciantes daquele caso para desvendar a complexa rede de envolvidos.
Os tempos são outros, mas quem serão os novos Deap Throat (o informante "Garganta Profunda") e os jornalistas investigativos Bob Woodward e Carl Bernstein? Qualquer coisa é melhor que essa paródia de Agente 86 com Inspetor Clouseau de Haddad...
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