Que a violência causa terror à população e leva ao isolamento, trancafiando as pessoas dentro de casa com pânico de sair às ruas, todos nós já sabíamos. Em uma cidade como São Paulo, vizinhos de porta mal se conhecem. É o sinal dos tempos. Mas o crime relatado hoje pela repórter da Folha, Laura Capriglione, na matéria "Casa à venda tinha donos enterrados no quintal", é daqueles típicos de revirar o estômago.
Acompanhe: A avó do metalúrgico Edson da Silva Santos, 27, costumava telefonar para o neto todos os finais de semana. Neste foi diferente -silêncio. Intrigado, o jovem foi à casa dela na terça-feira, ver o que teria acontecido.
Em vez do casal que sempre o recebia, encontrou outro. Afixada na casa, uma placa de "vende-se" e dois avisos colados com os dizeres: "Eu, Maria da Glória dos Santos Colovati, estou viajando. Deixo cuidando da casa o pedreiro". Mas a avó não manifestara ao neto intenção de vender a propriedade nem de reformá-la.
Havia mais coisas estranhas. Lençóis haviam sido estendidos no portão, vedando a visão do quintal da propriedade para quem passasse na rua. Apesar dessa providência, logo na entrada, ainda dava para ver uma pilha de entulho.
O metalúrgico perguntou sobre a avó ao homem franzino (1,55 metro), aparência tranqüila, tatuagem "Deus" no braço esquerdo, que olhava para a rua de dentro da casa. "Sou só o pedreiro", disse-lhe o homem. E explicou que estava no local porque a casa havia sido vendida e o novo dono encomendara-lhe a reforma. Sobre os antigos moradores, disse não saber informar nada. O rapaz chamou a polícia.
Assim que entrou na casa, acompanhado dos PMs, o jovem viu que estava tudo mudado. Os móveis eram outros, a decoração era outra. A geladeira era nova. A máquina de lavar roupa também. O cachorrinho da família, um fox paulistinha, tinha desaparecido. E, no entanto, o neto havia visitado a avó apenas 16 dias antes, no dia das mães (13 de maio).
Aos policiais, os novos ocupantes repetiram a versão contada antes. Mas uma mancha de cimento fresco, recém-assentado no quintal, chamou a atenção dos visitantes. Bastou uma marretada para o cheiro forte denunciar os corpos da aposentada Maria da Glória dos Santos Colovati, 70, e do segurança Jorge de Araújo, 53, casados, enterrados juntos, um sobre o outro, em companhia do fox paulistinha. Sacos plásticos envolviam as cabeças do casal. As mãos estavam amarradas nas costas.
Até ontem à noite, a polícia ainda não sabia a causa mortis. A delegada Jeanette Sanjar, do 56º Distrito Policial, da Vila Alpina (zona leste de São Paulo), acha provável que a morte tenha sido por asfixia, mas o estado dos corpos exigia exame mais detalhado.
A polícia prendeu no local Silvia Navarro Alexandre, 46, e José Santos Edivaldo dos Santos, 49, que negaram a autoria do crime. Ao ser revistado, Edivaldo tinha uma carta de livramento condicional no bolso (é ex-presidiário). Segundo a polícia, ele também estava com um cartão da Caixa Econômica Estadual em nome de Maria da Glória, a idosa assassinada, além de uma caderneta com anotações sobre os bens encontrados na casa, acompanhadas por uma avaliação de cada item.
Ontem, a propriedade tinha virado ponto de visitação. Como os lençóis tinham sido removidos, dava para ver o buraco no quintal -nem um metro quadrado de área, nem meio metro de profundidade.
A polícia encontrou estacionado perto da casa um automóvel Gol cinza ano 1984, que era usado por Edivaldo, com notas fiscais de compra de areia, pedra e cimento -material que teria sido usado na ocultação dos cadáveres.
Um vizinho, proprietário de vidraçaria em frente à casa dos mortos, Enis Garcia, disse ter visto várias vezes Edivaldo nas imediações. "Ele era amigo de um dos filhos de dona Glória, que já morreu. Como tinha saído da cadeia havia pouco tempo, ela o abrigou. Era uma mulher boa."
O pessoal reunido no bar Quintas Santos, a 20 metros da casa, lamentava a sorte de dona Glória: um filho dela foi assassinado há 20 anos, outro morreu atropelado por um caminhão há seis meses. "Eu achei que ela já tinha sofrido tudo o que se pode sofrer. Mas não", dizia o vizinho vidraceiro.
Os acusados não tinham advogado constituído até ontem à noite. A partir de hoje, devem receber assistência jurídica de um defensor público.
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