“O PT fraudou o novo projeto de esquerda”
Os partidos políticos estão sofrendo de uma febre. A febre da "renovação". O fenômeno atinge as principais legendas brasileiras: daquela que é condenada ao posto de maior representante da direita, o PFL, à que insiste em cravar-se como "autêntica" representante da esquerda, o PPS.
Direita ou esquerda, o fato é que os partidos políticos brasileiros – inclusive o PT – estão entendendo a necessidade de revisar seus programas e suas agendas.
Para o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, dois pontos, em especial, explicam essa releitura: a chegada do PT ao governo e o encerramento de ciclos pelo qual passa o Brasil.
Na entrevista a seguir, o pós-comunista trata sobre o tema e defende a definição de um projeto de esquerda para o Brasil. O tema será pauta da conferência Caio Prado Jr., a ser realizada em julho e que reunirá além de outros dirigentes de partidos políticos, intelectuais interessados em construir um programa de esquerda que o PT "fraudou", na interpretação de Freire, depois que assumiu o poder.
NOVA ESQUERDA
"Nós temos que ter uma esquerda que responda aos desafios do mundo atual. Com respostas efetivas. Não com uma esquerda que pensa que vai enfrentar essa realidade com concepções do passado. Essa corre o risco de se transformar em um movimento reacionário. Esse é um movimento no mundo e vem já de há algum tempo. Para a história nada. Apenas um pé de página."
"Mas desde o fim da experiência do socialismo real, quando se extinguiu a chamada Guerra Fria, com a vitória do capitalismo, desde ali, essa experiência de socialismo real entrou num processo de profunda crise. Em alguns lugares as esquerdas buscaram entender esse processo e houve uma adaptação. Uma adequação de algo que chamo de ajornamento. O PPS é fruto de uma discussão dessa."
NO BRASIL
"O que é que é esse processo no Brasil? Aqui houve alguns movimentos: o que o PCB fez e o PPS é fruto disso. O movimento de uma esquerda peemedebista e uma esquerda democrática que estava no PMDB e que se transformou na social-democracia, com o PSDB. Mas aqui aconteceu um fato interessante: se teve um partido de esquerda muito forte, que cresceu muito, e que se tornou tão dominante que interditou o debate. Como o debate era interno, nunca chegava a um bom termo, porque as várias tendências do PT se contradiziam, se digladiavam, e não decidiam."
"Então o PT nunca chegou a uma definição do que significa um projeto de uma esquerda para o Brasil, feito pelo PT. E essa incapacidade, eu diria até que justificada, porque com ela o PT só crescia, impediu o debate. E quem o fizesse era pelo PT desqualificado. O PSDB sofreu por conta disso e foi desqualificado como sendo um movimento democrático de esquerda. O PPS só não foi totalmente desqualificado pela sua história. Mas nos chamaram de neoliberais porque não nos submetíamos a essa hegemonia de achar que qualquer reforma do Estado era neoliberalismo."
PT NA DIREITA
"Esse debate de uma esquerda no Brasil aflorou com o PT no governo. Porque o PT fraudou qualquer projeto de esquerda porque assumiu um programa de governo que não era o seu. Que era desqualificado pelo PT quando aplicado pelo PSDB. Não há governo mais conservador do que o do PT. É um governo de direita."
"A realidade da chamada esquerda na América Latina também é algo que está exigindo uma boa definição do papel da esquerda. O Chile busca respostas, há algum tempo, com a Concertação e tem até obtido êxito. O Uruguai vem agora. O Brasil está aí com o PT. E qual é a resposta? Tem-se uma economia que dá ganhos absurdos aos ricos, ao setor financeiro e à elite brasileira, e esmolas aos pobres. Tem-se um desenvolvimento brasileiro medíocre, dois e pouco por cento há 20 anos. Claro que não é só da política do PT. Mas o PT deu continuidade. Então essa realidade do mundo e do Brasil está colocando a necessidade de a esquerda fazer suas revisões."
ANTIGOS CICLOS
"Uma análise importante de conjuntura é que estamos encerrando ciclos. Primeiro, o econômico. Esse modelo de economia neoliberal. Esse processo colocou na ordem do dia a retirada do Estado da economia e a vitória extremada do liberalismo econômico: o neoliberalismo. É o Estado mínimo."
"Um outro ciclo que também se encerrou é o político. Uma crise partidária nunca vista na história do País: a desmoralização dos partidos e da política. E isso teve a ver com o primeiro governo Lula: os escândalos, mensalão, relacionamento promíscuo com o Congresso. Mas isso também é a demonstração do esgotamento de todo um processo político que vem desde o fim da ditadura (85). Todos os partidos passaram pelo governo. Por último, o PT. Essas realidades implicam nos partidos discutirem rumos."
OPOSIÇÃO
"Colocamos na esquerda o PSDB. Mesmo que se tenha aí vozes que se identificam com essa política, até porque são representantes da direita nacional. São contradições brasileiras. Até um dia desses o PFL e o PSDB tinham abdicado de fazer oposição ao governo Lula! Estão blindando Meirelles e a equipe econômica como blindaram Palocci e até mais do que blindaram Malan. Isso não é oposição. Quem faz oposição a essa política econômica somos nós (do PPS) e setores de extrema esquerda. A esquerda representada pelo PSB e PCdoB pode estar tentando um certo distanciamento. Uma certa independência. Mas em nível nacional sempre foram satélites do PT."
INTERLOCUTORES
"Vamos buscar interlocução com a sociedade. Até porque há um dado importante: muitos intelectuais de esquerda estão começando a discutir isso porque se sentem fraudados com o PT no governo. Intelectuais do PT, inclusive. Ou ex-PT. E isso está tendo reflexo. O próprio PSDB, por exemplo, tem setores que querem fazer um congresso. Surgiu um nome chamado ‘refundação’. Cada um no seu campo. Mas aí vem uma coisa que explica além das mudanças que se operam no mundo: a necessidade desse repensar, desse aggiornamento, dessa revisão."
A CONFERÊNCIA
"Vamos ter a Conferência Caio Prado Júnior (em julho), uma homenagem a esse grande intelectual marxista do PCB. Será uma conferência para discutir qual o projeto de esquerda para o Brasil. De forma muito concreta. Inclusive abrindo um debate teórico sobre questões como o desenvolvimento sustentável, o problema do meio ambiente, a questão urbana..."
"Essa conferência não será apenas para militantes e filiados do PPS. Queremos que ela integre lideranças de outros partidos ou sem partidos. Já temos confirmadas as participações de José Aníbal (PSDB), Luiza Erundina (PSB), Fernando Gabeira (PV) e Gustavo Fruet (PSDB). De Pernambuco, vamos conversar com Jarbas Vasconcelos, José Arlindo Soares, Cláudio Marinho... A idéia é que essas personalidades participem, inclusive como delegados, votando nas teses, mesmo não sendo filiados."
(Publicado no Jornal do Commercio de Pernambuco, 18/3/2007)