segunda-feira, 9 de julho de 2007

País ganhou na loteria, mas está gastando o prêmio

Essa é a opinião do economista Yoshiaki Nakano, da Fundação Getúlio Vargas, como já havia manifestado em conversa com o presidente do PPS, Roberto Freire.

Repetiu agora nesta matéria (reproduzida abaixo) publicada no jornal Valor Econômico, e deve reiterar na próxima sexta-feira, dia 13, às 9h da manhã, em encontro promovido pelo PPS/SP com o também economista Luiz Gonzaga Beluzzo, na Assembléia Legislativa, sob a coordenação do deputado federal Arnaldo Jardim e do deputado estadual e presidente paulista do partido, David Zaia.

Nakano foi secretário especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda e secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001), entre outros cargos públicos. É professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV. É co-editor da revista de Economia Política.

Leia a matéria do Valor Econômico:

O Brasil ganhou na loteria nos últimos quatro anos, devido à expressiva melhora nos termos de troca do comércio exterior, mas não aproveita o prêmio como deveria, avalia o professor Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo.

Para ele, o país poderá crescer nos próximos três anos a uma taxa próxima a 4% sem enfrentar desequilíbrios significativos, mas não está garantida uma expansão sustentada da economia a taxas robustas por muito mais tempo do que isso.

Crítico mordaz da política econômica, Nakano insiste que a combinação de juros altos e câmbio valorizado é um entrave a uma expansão mais forte do investimento e a política fiscal continua errada: os gastos correntes do governo não param de crescer, ao passo que a capacidade de investir do setor público segue baixíssima, mesmo com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, Nakano diz que a melhora dos termos de troca (a diferença entre os preços de exportações e importações) ocorrida desde 2003 garantiu ao país um ganho de cerca de US$ 20 bilhões.

Esse presente garantiu uma virada espetacular nas contas externas, que se traduz em superávit em transações correntes, abrindo espaço para um crescimento mais forte sem pressões inflacionárias.

O problema, para Nakano, é que a política econômica continua errada e não levará a aumento significativo da taxa de investimento, hoje na casa de 17% do PIB.

"O investimento tem crescido, mas essa alta ainda é insuficiente", afirma Nakano, referindo-se à expansão na casa de 8% a 10% ao ano, que experimenta a formação bruta de capital fixo (investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos).

Para Nakano, o indicador tem que atingir algo como 25% do PIB para o país crescer a ritmo forte e por muitos anos. "O país ganhou na loteria, mas está consumindo o prêmio."

O câmbio valorizado vai produzir estragos não desprezíveis, adverte ele, que se diz cada vez mais preocupado com o nível do dólar.

"Primeiro, porque você quebra empresas e não é apenas o setor industrial que reclama, até plantador de cana reclama do câmbio."

O outro problema é que ao longo do tempo o superávit nas contas externas tende a ser revertido, ainda que isso possa demorar alguns anos. Se concretizado, esse cenário tenderá levar a desvalorização mais abrupta do câmbio no futuro, causando o círculo vicioso que o país já viveu várias vezes: o dólar sobe, a inflação aumenta, o BC eleva os juros e a economia esfria.

O dólar barato também impede a diversificação das exportações do país, reduzindo a competitividade dos setores que produzem manufaturados.

"Todos os países que conseguiram crescer aceleradamente por décadas diversificaram as exportações. O Brasil está fazendo o contrário", afirma ele, que considera um risco apoiar as vendas externas, principalmente em commodities, sujeitas a oscilações de preços caso a economia global passe a crescer menos.

"Se você estiver com exportação de manufaturados significativa, com diversificação, tem um seguro contra esse tipo de risco."

Nakano ataca o nível dos juros no Brasil. Para o economista, a queda da Selic tem sido muito lenta e não há por que ela ser muito mais elevada do que os juros pagos pelo Tesouro em emissões no exterior. Em maio, por exemplo, o país pagou 8,938% ao ano numa emissão de títulos denominados em reais no mercado internacional, ao passo que hoje a Selic está em 12% ao ano.

Nakano também critica o fato de que, no Brasil, a taxa básica serve não apenas como instrumento de política monetária no mercado aberto - um objetivo de curto prazo - como também para corrigir títulos pós-fixados (as Letras Financeiras do Tesouro, LFTs) - algo de longo prazo. Com isso, o BC "tabela" para cima os juros do mercado de dívida pública, de modo que as taxas mais longas não refletem as melhores condições de solvência do país, evidenciadas na queda do risco-Brasil.

Além da combinação de juros altos e câmbio valorizado, Nakano vê na qualidade da política fiscal outro grande obstáculo ao crescimento sustentado.

A dívida interna está sob controle e tem caído como proporção do PIB, mas a questão é que o gasto corrente (aposentadorias, pessoal, custeio da máquina pública, programas como o Bolsa Família) continua a crescer a taxas muito acima da expansão da economia.

O aumento descontrolado das despesas correntes diminui o espaço para investimentos públicos em infra-estrutura, além de contribuir para a valorização do câmbio.

A questão é que os gastos de consumo do governo se concentram nos bens não-comercializáveis (que não sofrem a influência direta do dólar), o que ajuda a apreciar a moeda.

"É necessário cortar o gasto corrente do governo, para fazer com que a mudança na taxa real de câmbio seja persistente", afirma Nakano.

Com uma política fiscal baseada em cortes de gastos correntes, o câmbio tenderia a se depreciar, o governo poderia gastar mais com investimentos e os juros poderiam cair com força.

Nakano mostra muito ceticismo em relação à capacidade de o governo aumentar os investimentos em infra-estrutura. Para ele, o fato de que, de janeiro a maio, o governo gastou apenas R$ 990 milhões no Programa Piloto de Investimentos (PPI, que reúne obras de infra-estrutura tidas como prioritárias) é evidência da "falência do modelo de Estado brasileiro" - o total previsto para o PPI neste ano é de R$ 11,2 bilhões. "Quando se trata de investimento, há uma incompetência total", afirma ele.

Com essas críticas, Nakano não quer vaticinar o caos no curto prazo. Acha que o ganho dos termos de troca não será revertido de uma hora para outra, uma vez que a crescente integração de países como a China e a Índia à economia global e o forte crescimento de outros emergentes deve garantir a permanência dos preços das commodities em patamares elevados por um tempo razoável.

Essa situação permite que o consumo cresça mais do que a produção por alguns anos sem provocar explosão de importações ou inflação. O problema, para ele, é que o país está perdendo "uma grande oportunidade" de criar as condições para um crescimento mais forte de modo sustentado. "O país está gastando o prêmio da loteria", repete.


(Por Sergio Lamucci, do Valor Econômico, em 9/7/2007)