Prezado Maurício,Mas Niemeyer respondeu algumas questões levantadas pelo Blog do PPS/SP para a realização da Conferência, por meio do artigo "Entrevistas", publicado na Folha de S. Paulo deste domingo. Leia abaixo alguns trechos:
Fiquei muito honrado em receber o convite de Roberto Freire. Infelizmente, tenho que dele declinar em razão de inúmeros compromissos profissionais (inclusive viagens) marcados até o final de outubro.
Espero que a Conferência tenha pleno êxito,
Atenciosamente,
Oscar Niemeyer
Ultimamente, minhas manhãs são ocupadas por entrevistas e encontros. Jornais e revistas nacionais e estrangeiros, pessoas interessadas em saber o que penso da arquitetura e da própria vida. (...)
Nessas entrevistas, procuro limitar um pouco os assuntos da arquitetura - um trabalho, a meu ver, muito pessoal, em que o arquiteto deve fazer o que gosta, e não aquilo que os outros gostariam que ele fizesse.
E a conversa prossegue, os jornalistas perguntando sobre meus últimos trabalhos, o que estou fazendo no exterior, qual o projeto que mais me agrada entre os já realizados. (...)
Um pouco cansado das repetições inevitáveis, tento quase sempre mudar de assunto, buscando levar a entrevista para o lado político, que mais me interessa: "Vocês sabem, passei a vida debruçado na prancheta, mas, para mim, ela é mais importante do que a arquitetura". E, como para espantar os jornalistas mais um pouco, continuo: "Quando vejo um jovem protestando nas ruas, sinto que o que ele faz é mais importante do que o meu trabalho de arquiteto".
E mais ainda os surpreendo quando falo dos problemas da vida, deste mundo injusto que devemos modificar, da insignificância do ser humano diante deste universo fantástico que tanto o atrai e humilha. E enveredo, como comunista que sou, pela crítica deste sistema capitalista responsável pela injustiça e pela violência que se multiplicam por toda a parte, com o império de Bush a invadir os países mais desprotegidos.
Sinto que, de um modo geral, essa minha conversa começa a interessá-los, acostumados que estão a ouvir sempre dos arquitetos mais importantes o entusiasmo incontido pelas obras que realizam, a mostra do talento com que as projetaram, certos de que ficarão na história da arquitetura por sua contribuição irrefutável.
Como para contestá-los, lembro que a arquitetura serve apenas aos mais poderosos; os mais pobres dela nada usufruem, vendo, revoltados, de seus barracos, o mundo dos ricos, fútil e ignorante (mas eles bem instalados em seus palácios junto ao mar).
Raramente algum deles resolve contestar-me: "E no mundo socialista que vocês propõem, o que vai acontecer?".
É claro -respondo- que a vida será mais justa, as habitações serão mais modestas, mas as escolas, as universidades, os grandes empreendimentos humanos -os hospitais, os estádios, os cinemas, os teatros, os museus, os centros culturais- serão mais importantes, porque deles todos participarão. E o homem será mais simples, mais humano, curioso à procura da verdade de sua própria existência, de sua origem tão longínqua que até uma ameba poderá explicá-la.
Perplexo diante do futuro, que nada de bom oferece, mas a sonhar com o progresso da ciência, com as viagens interplanetárias, que enfrentam as distâncias mais fantásticas.
Não raro, depois de as entrevistas serem publicadas, os equívocos aparecem, e por vezes tão lamentáveis que sou obrigado a me manifestar. E, quando o assunto é político, um engano que possa ocorrer me preocupa ainda mais.
Aproveito este texto para esclarecer que a presença de Lula no atual governo é, a meu ver, da maior importância. Operário, voltado para o povo, hábil na política externa, embora, como comunistas, nos seja muitas vezes difícil aceitar o seu espírito conciliador.
Vivemos um momento difícil no campo internacional, o império de Bush a ameaçar o mundo inteiro. Internamente, um ambiente estranho começa a nos inquietar: é uma onda irrefreável de denúncias, gravações de conversas telefônicas, gente sendo presa sem provas; cria-se o terror, como nos velhos tempos de Beria na antiga União Soviética ou no período do macartismo nos Estados Unidos.
Além disso, é o fantasma do inesperado, que, para o bem ou para o mal, um dia pode surgir.