terça-feira, 8 de julho de 2008

Soninha: diálogo fácil e natural com o público gay

Candidata à prefeitura paulistana, Soninha Francine revela quais são suas propostas para os LGBTIs

Por Hélio Filho
Mix Brasil


Não é de hoje que a vereadora Soninha Francine dialoga bem com o movimento LGBTI. Sempre presente nas Paradas de São Paulo, aplaudida por levar suas filhas para conhecerem desde cedo o quê é diversidade e respeito, ela diz ter aprendido em casa que não se deve discriminar ninguém por sua cor, crença, nacionalidade ou orientação sexual. “Minha mãe nunca deixou a gente discriminar alguém, torcer o nariz”, lembra.

Confirmada como candidata à prefeitura paulistana pelo PPS, Soninha conversou com o Mix e adiantou quais serão suas principais propostas de campanha eleitoral para a comunidade LGBTI. Ela contou ainda como definiu essas propostas e revelou de onde veio o conhecimento necessário para traçar um efetivo plano municipal de combate ao preconceito e respeito à diversidade sexual. Confira.

Quais são suas propostas para a comunidade LGBTI como candidata à prefeita?

Muitas das coisas que a gente defende são de esfera federal, então, alguns direitos básicos pelos quais eu luto estão fora do alcance. Mas dá pra fazer política municipal de igualdade. No combate à discriminação, por exemplo, queremos tratar do tema na escola. Primeiro com os professores e demais servidores, depois com os alunos e suas famílias. Para isso, é preciso elaborar um programa com uma metodologia que inclua oficinas, seminários e publicações cuidadosas de combate à discriminação.

É preciso também fazer campanhas educativas na mídia para promover a inclusão. Porque hoje existem pessoas que não conseguem continuar seus estudos por causa da perseguição, do deboche e até mesmo da ameaça física.

Temos que garantir o respeito à diversidade no ambiente escolar. Esse drama escolar é muito observado no meio das travestis, por exemplo. Eu conheço gente que saiu da escola, principalmente no segmento das travestis e transexuais, e hoje não tem como voltar a estudar nas turmas de aprendizado de jovens e adultos oferecidas pela prefeitura por meio do EJA (Ensino de Jovens e Adultos). É preciso promover decisivamente a inclusão de transexuais e travestis que deixaram os estudos por enfrentarem preconceitos.

Como fazer isso?

Promovendo a diversidade, o olhar respeitoso, solidário e generoso para todas as formas de orientação sexual. Um instrumento bem legal para isso é a Cultura, promover mostras de filmes, de peças de teatro e festivais literários de temática homossexual. Hoje em dia existem iniciativas do tipo, mas privadas. Isso deve ser feito como política pública também, a prefeitura também pode promover isso. Tem a área de esportes também, que pode fazer isso com idéias como, por exemplo, os Jogos da Diversidade (realizados em 24 de maio). Temos que incentivar e manter essa prática.

Esse movimento pode começar dentro da própria prefeitura.

Claro, com os servidores do município de modo geral, fazendo um programa de combate à discriminação e respeito à diversidade, principalmente para quem faz atendimento ao público.

Na rede de saúde, por exemplo, uma boa idéia é implantar unidades de saúde com atendimento mais especializado, mas sempre garantindo que em qualquer outra unidade todos sejam atendidos da mesma maneira.

Um passo importante é determinar o direito da pessoa fazer seu registro no sistema com o nome pelo qual ela se identifica. Queremos que essas pessoas tenham uma vida normal na sociedade. Para uma Juliana, ser chamada de João Pedro na hora do atendimento pode ser humilhação, são detalhes que fazem a diferença.

Outro ponto importante está na área de assistência e desenvolvimento social. Os LGBTIs são uma população vulnerável, sujeita à violência. No caso das travestis que fazem programa na rua e dos gays que vivem em situação de rua complica ainda mais.

Eles ficam em condições ainda piores do que as dos outros gays, também discriminados. Um exemplo é na hora de conseguir vaga em albergue público, é importante garantir vaga para todos, independente da orientação sexual de cada um.

E como tirar essa população da rua?

Elaborando programas de capacitação, de geração de emprego e renda. Conheço várias travestis que não querem fazer programa, querem ser recepcionistas, secretárias, professoras, advogadas.

Defendo o fomento à criação de cooperativas de travestis de prestação de serviços em outras áreas, organizar esse grupo para ele ter mais força nessa questão. Mas é preciso também oferecer atendimento terapêutico aos LGBTIs. Vivemos em uma cidade cheia de problemas de equilíbrio mental, são milhões de neuróticos, inclusive eu, eu pago terapia (risos). Vivemos sob muita pressão, com medo por vários motivos. Nos homossexuais, o medo é dobrado por causa do preconceito, das agressões e perseguições, onde tem que ter uma medida ostensiva de segurança para esses casos, com punições rigorosas.

Esse auxílio terapêutico seria no sentido de ajudar o homossexual a sair do armário, assumir sua orientação sexual para a família. É necessário promover um equilíbrio emocional, oferecer terapia para que eles se aceitem melhor, porque existem várias situações de conflito, estresse e insegurança muito fortes nesse momento de descoberta.

Quais ações efetivas a prefeitura pode fazer para combater o preconceito?

Pode-se criar mecanismos na prefeitura para, por exemplo, punir estabelecimentos onde acontece discriminação por orientação sexual. Eu tenho, inclusive, um projeto de lei em trâmite na Câmara que diz justamente isso.

O poder executivo pode fazer isso por iniciativa própria. Não é mandar fechar o estabelecimento, porque isso gera desemprego, mas o lugar tem que responder por essa falta de respeito. Funcionaria dando uma advertência na primeira infração para ele tomar alguma medida, na reincidência já é multa, se ele fizer de novo, uma multa mais pesada, isso até o fechamento do local por uma semana.

O correto é fazer uma coisa progressiva, para não penalizar 20 que perdem o emprego por causa de um. Podemos fazer também um certificado de bom tratamento, pessoas diferentes, mas tratamento igual. Isso pode ir parar na página da SPTurs como uma página especial para esses estabelecimentos amigos da diversidade.

No turismo tem muita coisa a ser feita. Em São Paulo, temos um turismo forte de gastronomia, compras e cultura, é ótimo incentivar essa boa acolhida do público LGBTI, incentivar os estabelecimentos não só no fim de semana da Parada, mas também ao longo do ano. Inclusive, dou o maior apoio à Parada, ela está incorporada na vida da cidade, é preciso que a prefeitura continue apoiando, dando espaço, suporte institucional de tráfego e segurança, promover, divulgar. É um evento que tem um caráter de manifestação política e não partidária, em defesa de respeito, de igualdade e garantia de direitos.

Como suas propostas foram definidas? Você observou o quê para decidir por elas?

Defini essas propostas com a minha vivência e a partir das demandas da comunidade LGBTI, as pessoas foram me chamando a atenção para alguns problemas que eu não tinha tanta noção que existiam. Eu também fui aprendendo muitas coisas com o tempo. Por exemplo, as travestis não eram um grupo que eu conhecia bem, lidava bem, não sabia bem como atuar com elas. Elas me ensinaram, me chamaram atenção para a dificuldade que enfrenta quem não quer fazer programa, quem quer trabalhar em outros lugares que não as ruas. Então juntou a demanda concreta de quem está na minha frente com a minha vivência.

Fui aprendendo muito com a militância, com os movimentos. Você tem que perceber que vai precisar aprender a vida inteira, tem que lembrar que, como você tem que aprender, outras pessoas também precisam. Os parlamentares devem participar mais disso, não ficar com medo de perder eleitorado. Mas tem que ter paciência para que eles aprendam, explicar porque não é correto dizer opção sexual, levar isso para a vida deles. A gente sempre tem o quê aprender.

Na sua opinião, qual é o papel de um prefeito para com a comunidade LGBTI?

O dever de um prefeito é ver a população como um todo. As leis, embora tenham lacunas, prevêem que as pessoas têm direitos iguais, independente de raça, sexo, crença ou orientação sexual. É dever de um prefeito, seja qual for sua convicção pessoal, assegurar que todos tenham os mesmos direitos.

Sabendo que em função do preconceito, discriminação, conceitos distorcidos e noções equivocadas acontece a violência, que pessoas vivem sob ameaças, é dever do governante combater a violência, assegurar a segurança, dar oportunidade igual para todos serem felizes. É um dever dele, mesmo que o governante não concorde com a homossexualidade, que ache um erro, um desvio. Ele pode achar, mas isso não dá a ele o direito de desrespeitar e ignorar o desrespeito, principalmente o prefeito, ele não pode não fazer nada para combater isso.

Qual a sua relação com o movimento gay? Como aprendeu a respeitá-lo?

Essa relação vem desde sempre, eu aprendi respeito em casa, minha mãe nunca deixou a gente discriminar alguém, torcer o nariz por ser homossexual, negro, português, alemão, mineiro, baiano. É desde cedo que se ensina. Ninguém nasce racista, o preconceito se aprende, é uma coisa que se ensina, às vezes até sem perceber, sem querer.

Sem dúvida é preciso ensinar as pessoas desde pequenas a respeitar umas às outras, independente de gostarem ou não do jeito da outra pessoa, do jeito que ela anda, de quem ela gosta. A criança tem que saber que é errado desrespeitar os outros. Por isso bato na tecla de ensinar isso na escola, por meio da educação.

Mas você pode enfrentar dificuldades para colocar esses planos em práticas, como vereadores oposicionistas que podem trancar a votação dos projetos.

Sim, vai haver alguma dificuldade para fazer, mas o importante é que isso está amadurecendo. Por exemplo, temos hoje dentro da prefeitura a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (CADS) e o Centro de Referência da Diversidade (CRD), isso mostra que é possível arar a terra dura, mesmo tendo ainda muita terra dura que não está disposta a deixar frutificar a idéia do respeito.