terça-feira, 6 de novembro de 2007

Artigo econômico: Taxa de câmbio a R$ 1,60?

YOSHIAKI NAKANO*

Países como o Brasil, que mantém o diferencial de taxa de juros muito elevado, devem ser inundados por dólares

O Real vem sofrendo uma forte apreciação em função do excesso de liquidez (de dólares) no mercado financeiro internacional. Em relação à taxa média de 2004, o real já se apreciou em 75,3%.

Com as atuais taxas de juros, a oferta de dólares é tão grande que, além de aquela apreciação, o Banco Central comprou mais de US$ 110 bilhões nesse mesmo período. Obviamente, há algo de errado na política do Banco Central. A pergunta que se faz é o que acontecerá com a taxa de câmbio no futuro próximo.

A taxa de câmbio deverá continuar se apreciando. Apesar da crise financeira e da contração de crédito nos Estados Unidos, a liquidez deverá continuar elevada, e, com a redução na taxa de juros pelo Federal Reserve, os países emergentes deverão receber cerca de US$ 1 trilhão de ingresso total de capitais financeiros por ano nos próximos anos. Países como o Brasil, que mantêm o diferencial de taxa de juros muito elevado ou têm grande disponibilidade de ativos com lastro, deverão ser inundados por dólar.

Além disso, haverá uma pressão adicional para apreciação cambial, e o Brasil tornar-se-á deficitário nas transações correntes. Com a forte depreciação do dólar nos últimos anos, as exportações dos Estados Unidos estão agora acelerando fortemente, com crescimento de mais de 15%. As importações vêm crescendo cerca de 5% e em desaceleração. Ou seja, o déficit de transações correntes deverá cair e imporá um forte ajuste sobre o resto do mundo.

Países como China, Índia e exportadores de petróleo não devem abrir mão de seus modelos de desenvolvimento, ou seja, não devem reduzir seus superávits nas transações correntes. Então, outros terão que fazê-lo, tornando-se deficitários, para contrabalançar a redução no déficit norte-americano.

É um questão de débito e crédito, já que, no global, as exportações mundiais equivalem às importações mundiais. Europa, com apreciação do euro, certamente absorverá parte desse ajuste, mas os candidatos naturais a terem déficit são os países latino-americanos, particularmente o Brasil, países que adoram consumir e se endividar sem pensar no futuro.

Com a atual taxa de câmbio, o nosso saldo comercial já caiu, até setembro deste ano, 22,31%, em relação ao ano anterior, pois as importações vêm crescendo a uma taxa de 31,9%, enquanto as exportações cresceram apenas 12,6% e se desacelerando.

Neste quadro, são inevitáveis novas apreciações do real e é provável que atinja R$ 1,60 ou até R$ 1,50 no próximo ano. Qual será a taxa de câmbio é uma questão de convenção do mercado financeiro. Num processo de apreciação cambial, os especuladores profissionais sabem que, atrás deles, virá a manada de especuladores amadores e, assim, se a maioria convencionar que a maioria acreditará que a taxa de câmbio continuará se apreciando e atingirá R$/ US$ 1,50, então isso acontecerá.

A taxa de câmbio é o preço da moeda estrangeira, um ativo sem custo de produção. Assim, seu preço depende da expectativa de retorno, e esta é dada pelo diferencial de taxa de juros mais a expectativa de apreciação cambial. Esta última é uma profecia que se auto-realiza, particularmente quando do outro lado do balcão você tem a politica monetária brasileira.

* YOSHIAKI NAKANO, 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001); artigo publicado na Folha de 4/11.