sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O mutante Lula e a novela dos cartões corporativos

Novela é mesmo paixão de brasileiro. O atual folhetim da Record, por exemplo, "Caminhos do Coração", uma trama nonsense que mistura seres mutantes com vampiros e lobisomens e produz diálogos constrangedores, já entrou para a história da TV ao bater o ibope do jogo do Corinthians na quarta-feira de cinzas.

Para a história da política entra outra novela: os cartões corporativos do Governo Lula - que se antecipou aos mutantes da Record ao se declarar uma "metamorfose ambulante".

Veja a seguir um artigo do jornalista Fernando de Barros e Silva na Folha de hoje, não por acaso intitulado "Drácula" - nessa febre de mutantes.

Drácula

É provável que o leitor, como eu, não saiba grande coisa a respeito dos procedimentos que cercam a segurança dos chefes de Estado. Talvez por isso, como eu, tenha alguma dificuldade de entender por que a divulgação dos gastos com cartão corporativo para comprar o que Lula consome à mesa poria em risco a sua integridade.

As "razões de Estado" alegadas pelos ministros Franklin Martins e Dilma Rousseff para justificar a retirada dos gastos presidenciais do Portal da Transparência são uma espécie de confissão involuntária. Eles falam a verdade sem dizê-la.

Não é a segurança física do presidente nem, muito menos, o próprio país que estariam sob ameaça se as cifras da comilança oficial viessem a público regularmente. É o mandato de Lula que não resistiria. Só isso.

Parece radical? Talvez. Mas não acredito que essa seja uma vulnerabilidade só dos petistas ou deste governo. O poder sempre é como conde Drácula: se alimenta na noite e não resiste à luz do dia. A democracia -o pior regime já criado, excetuados os demais- opera meio às cegas, como uma lanterna numa floresta negra. Vislumbramos faixas trêmulas de luz no breu sem saber nada do que está ao nosso lado.

Do pouco que podemos ver, os exemplos flagrantes de descontrole com os cartões são mais do que suficientes para revoltar as pessoas. Mas a reação furiosa também sugere que a classe média até pode invejar o caviar corporativo na boca de um tucano da USP, mas não tolera a picanha no prato do petista operário. O PT sabe e usa como álibi.

O primeiro risco da pressão moralizante é desencadear um retrocesso na pouca transparência obtida com os cartões e o portal, em nome das "razões de Estado" e da demonização da "arma" do crime.

Mas não só. Dilma e Franklin correram para blindar Lula porque perceberam logo o teor explosivo do assunto. Os R$ 1.400 de uma mesa de sinuca podem provocar estrago muito maior do que os bilhões de reais que o governo torra em juros.