segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Mais médicos, menos políticos

Mais uma vez, assim como na reação atabalhoada aos protestos históricos de junho, a presidente Dilma Roussef demonstrou no pronunciamento deste 7 de setembro que, se é verdade que "ouviu as vozes das ruas", como gosta de se gabar, não compreendeu ou não decodificou direito a mensagem.

E repete a cantilena das velhas cartilhas do marketing eleitoral. Como virou praxe nos momentos de crise, Dilma vira boneco de ventríloquo do marqueteiro João Santana e se põe a ler o discurso-padrão que, em tese, o povo deseja ouvir.

O ponto alto é a exaltação ao programa "Mais Médicos", que irá produzir "resultados rápidos e efetivos". Na Saúde, isso ainda é uma incógnita. Mas se funcionar eleitoralmente, já basta para o PT.

Na linguagem cifrada do petismo, significa fazer o possível e o impossível (ou "o diabo", como já deixou escapar a própria Dilma) para eleger o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao Governo do Estado de São Paulo.

“O Mais Médicos está se tornando realidade, e tenho certeza de que, a cada dia, vocês vão sentir os benefícios e entender melhor o grande significado deste programa”, declarou.

A campanha do governo federal contra a reeleição de Geraldo Alckmin já começou. Dias piores virão.

No twitter @23pps já comentamos o assunto:

Ministro anuncia programa "Mais Médicos" como remédio, mas é placebo. Erraram 11 anos no tratamento da doença crônica da Saúde!

Ex-ministro da Educação não percebeu em 11 anos que país falhou na formação de médicos (universidades públicas e privadas)?

Petistas e deviam ter vergonha de propor "Mais Médicos" após 11 anos de (des)governo: falharam no diagnóstico?

PT é assim: leva 11 anos pra receitar "Mais Médicos"; em SP, simples pintura no asfalto vira programa de implantação de corredores de ônibus.

Em ato falho, o próprio twitter do ministro Alexandre Padilha (@padilhando) parece remeter involuntariamente àquele personagem Rolando Lero, da Escolinha do Professor Raimundo. É treinado para enrolar e fugir de soluções concretas para as questões apresentadas. O que importa é ter cara-de-pau para fingir conhecimento. Isso talvez lhe baste para superar os colegas e "passar de ano"

Um artigo do médico Drauzio Varella, publicado na Folha de S. Paulo deste sábado, 7 de setembro, trouxe mais luz à discussão sobre o programa "Mais Médicos". Leia:

Demagogia eleitoreira

A questão dos médicos estrangeiros caiu na vala da irracionalidade.

De um lado, as associações médicas cobrando a revalidação dos diplomas obtidos no exterior; de outro, o governo que apresenta o programa como a salvação da pátria.

No meio desse fogo cruzado, com estilhaços de corporativismo, demagogia, esperteza política e agressividade contra os recém-chegados, estão os usuários do SUS.

Acompanhe meu raciocínio, prezado leitor.

Assistência médica sem médicos é possível, mas inevitavelmente precária. Localidades sem eles precisam tê-los, mesmo que não estejam bem preparados. É melhor um médico com formação medíocre, mas boa vontade, do que não ter nenhum ou contar com um daqueles que mal olha na cara dos pacientes.

Quando as associações que nos representam saem às ruas para exigir que os estrangeiros prestem exame de revalidação, a meu ver cometem um erro duplo.

Primeiro: lógico que o ideal seria contratarmos apenas os melhores profissionais do mundo, como fazem americanos e europeus, mas quantos haveria dispostos a trabalhar isolados, sem infraestrutura técnica, nas comunidades mais excluídas do Brasil?

Segundo: quem disse que os brasileiros formados em tantas faculdades abertas por pressão política e interesses puramente comerciais são mais competentes? Até hoje não temos uma lei que os obrigue a prestar um exame que reprove os despreparados, como faz a OAB.

O purismo de exigir para os estrangeiros uma prova que os nossos não fazem não tem sentido no caso de contratações para vagas que não interessam aos brasileiros.

Esse radicalismo ficou bem documentado nas manifestações de grupos hostis à chegada dos cubanos, no Ceará. Se dar emprego para médicos subcontratados por uma ditadura bizarra vai contra nossas leis, é problema da Justiça do Trabalho; armar corredor polonês para chamá-los de escravos é desrespeito ético e uma estupidez cavalar.

O que ganhamos com essas reações equivocadas? A antipatia da população e a acusação de defendermos interesses corporativistas.

Agora, vejamos o lado do governo acuado pelas manifestações de rua que clamavam por transporte público, educação e saúde.

Talvez por falta do que propor nas duas primeiras áreas, decidiu atacar a da saúde. A população se queixa da falta de assistência médica? Vamos contratar médicos estrangeiros, foi o melhor que conseguiram arquitetar.

Não é de hoje que os médicos se concentram nas cidades com mais recursos. É antipatriótico? Por acaso, não agem assim engenheiros, advogados, professores e milhões de outros profissionais?

Se o problema é antigo, por que não foi encaminhado há mais tempo? Por uma razão simples: a área da saúde nunca foi prioritária nos últimos governos. Você, leitor, lembra de alguma medida com impacto na saúde pública adotada nos últimos anos? Uma só, que seja?

Insisto que sou a favor da contratação de médicos estrangeiros para as áreas desassistidas, intervenção que chega com anos de atraso. Mas devo reconhecer que a implementação apressada do programa Mais Médicos em resposta ao clamor popular, acompanhada da esperteza de jogar o povo contra a classe médica, é demagogia eleitoreira, em sua expressão mais rasa.

Apresentar-nos como mercenários que se recusam a atender os mais necessitados, enquanto impedem que outros o façam, é vilipendiar os que recebem salários aviltantes em hospitais públicos e centros de atendimentos em que tudo falta, sucateados por interesses políticos e minados pela corrupção mais deslavada.

A existência no serviço público de uma minoria de profissionais desinteressados e irresponsáveis não pode manchar a reputação de tanta gente dedicada. Não fosse o trabalho abnegado de médicos, enfermeiras, atendentes e outros profissionais da saúde que carregam nas costas a responsabilidade de atender os mais humildes, o SUS sequer teria saído do papel.

A saúde no Brasil é carente de financiamento e de métodos administrativos modernos que lhe assegurem eficiência e continuidade.


Reformar esse mastodonte desgovernado, a um só tempo miserável e perdulário, requer muito mais do que simplesmente importar médicos, é tarefa para estadistas que enxerguem um pouco além das eleições do próximo ano.