Podia ter acontecido em Tubiacanga, Sucupira, Saramandaia, Resplendor, Porto dos Milagres, Antares ou até no Arraial dos Tucanos. Mas não foi em nenhuma dessas cidades fictícias de novelas e séries da Globo (pela ordem: Fera Ferida, O Bem Amado, Saramandaia, Pedra Sobre Pedra, Porto dos Milagres, Incidente em Antares e Sítio do Picapau Amarelo) que se discutiu sobre casas de prostituição, censura à imprensa, descargas de banheiro ou "comedores de alfafa".
A Câmara Municipal de São Paulo gastou exatas duas horas e quarenta minutos desta terça-feira, 24 de junho, para prestar solidariedade a seu presidente, o vereador Antonio Carlos Rodrigues (PR), e - o mais espantoso - espinafrar a única vereadora que "ousou" defender publicamente a necessidade de haver transparência e rigor nas investigações: Soninha Francine (PPS).
Quis o destino (no rodízio em ordem alfabética em que se iniciam os pronunciamentos dos vereadores nas sessões) que a primeira a falar fosse exatamente Soninha: a vereadora fez um discurso absolutamente equilibrado, ponderado, sensato, baseado exclusivamente em preceitos democráticos e republicanos.
Soninha repetiu o que já havia manifestado na imprensa, e que traduz o pensamento do PPS e de qualquer cidadão de bem: que todas as denúncias que supostamente envolvem a participação de servidores da Prefeitura e da Câmara Municipal sejam apuradas. Fez mais: elogiou a disposição do presidente da Câmara, citado nas denúncias, em se colocar à disposição da Polícia e da Justiça para qualquer esclarecimento.
Mas, no entendimento dos vereadores que fazem da Câmara Municipal um mundo à parte, insensível aos sentimentos da sociedade e blindada à qualquer visão que fuja do espírito de corpo e do compadrio típico das organizações mafiosas, ela quebrou o código de honra implícito da Casa e merece ser execrada pelos seus pares.
E assim foi. Um a um, os vereadores subiram à tribuna, falando em nome de seus partidos, para inocentar o presidente da Câmara das suspeitas publicadas em toda a imprensa e condenar a única voz que, dentro do parlamento paulistano, fez ecoar minimamente o sentimento da população paulistana que clama por mais ética e transparência na política.
Esta sessão foi antológica: houve da pregação absurda da censura à imprensa à defesa da importância do político (que, segundo o folclórico Agnaldo Timóteo, deve ser lembrado por todo cidadão até quando dá a descarga de seu banheiro, pois aquilo - o saneamento básico - é obra de um político).
O ponto alto (ou baixo?) da sessão foi o discurso nonsense contra "comedores de alfafa", que por cinco minutos o vereador Adilson Amadeu (PTB), vice-presidente da Câmara, proferiu da tribuna (tão sutil quanto um mamute em uma loja de cristais), em que ele covarde e levianamente tentava imputar a defesa de mais transparência na Casa a "gente que come ou fuma alfafa" - numa alusão infeliz ao episódio em que Soninha, em 2001, foi capa da Revista Época ao admitir já ter fumado maconha (reveja aqui).
Todos seguiram o mesmo roteiro, solidários ao presidente da Câmara. Discursaram Adilson Amadeu (PTB), Agnaldo Timóteo (PP), Carlos Apolinário (DEM), Aurélio Miguel (PR), Wadih Mutran (PP), Farhat (PTB), Donato (PT), Arselino Tatto (PT), Roberto Trípoli (PV), Abou Anni (PV), Beto Custódio (PT), Claudete Alves (PT), Jooji Hato (PMDB), Myryam Athie (PDT), Netinho (PSDB) e Natalini (PSDB).