segunda-feira, 5 de agosto de 2019

E essas mentiras de pescador, Bolsonaro?

O presidente Jair Bolsonaro mentiu no facebook ao responder a um questionamento do #BlogCidadania23. Neste domingo, 4 de agosto, depois dele postar uma mensagem dirigida aos "pescadores do Brasil", o editor do Blog deixou o seguinte comentário na página pessoal de Bolsonaro: "Já pagou a sua multa por pesca ilegal, presidente?".

A resposta, nominal ao jornalista, veio 4 minutos depois: "Fui multado no mesmo dia e quase na mesma hora em que registrei presença no painel eletrônico da Câmara, numa terça-feira. Os documentos, auto de infração e certidão da Câmara estão à disposição da imprensa. Obrigado pelo questionamento."

O problema é que o argumento não corresponde aos fatos. Primeiro, porque há uma foto de Bolsonaro no barco, flagrado no momento da infração, tirada pelo próprio fiscal que aplicou a multa, datada de 25 de janeiro de 2012, uma quarta-feira. Mas ele responde como se a autuação tivesse ocorrido em 6 de março, já depois do fim do recesso parlamentar, data em que foi formalizado o auto da ilegalidade, 41 dias após o flagrante da fiscalização.

O jornalista reproduziu no perfil de Bolsonaro a foto que atesta a sua mentira, ele de sunga no dia da pesca ilegal, mas o presidente parou de responder. O assunto foi tratado como "fake news" por milhares de apoiadores que comentaram e curtiram incessantemente o post e a resposta inicial do "mito". Toda e qualquer crítica é atacada e desmentida pela milícia virtual bolsonarista.

Pescador de ilusões 

Esta postagem de Bolsonaro sobre a pesca foi a segunda sobre o tema nas redes sociais. Nessa em que compartilhava um vídeo de pescadores de Santa Catarina a caminho de Brasília, afirmou que seria "um prazer" recebê-los e que fará tudo o que estiver ao alcance dele e do secretário da Pesca, Jorge Seif, para "desburocratizar, desregulamentar e otimizar a pesca no Brasil".

Num post anterior, Bolsonaro já havia comemorado a reversão, na justiça federal, de uma proibição da pesca da tainha na costa brasileira.

Afirmou que "os agentes públicos, principalmente eu, Presidente da República, não podemos atrapalhar quem produz".

 Ignorou o fato de que a proibição existe justamente para preservar o ciclo reprodutivo da peixe e para garantir que seus estoques pesqueiros sejam mantidos, no chamado "período de defeso" da espécie.

Mas esperar alguma consciência ambiental de Bolsonaro seria realmente pedir demais. Vide as afirmações bizarras sobre o desmatamento, inclusive desmentindo os dados oficiais do INPE, ou sobre a preocupação com a natureza e a sustentabilidade, que ele entende ser exclusividade de "veganos que comem vegetais" (sic).

Respondendo a outro comentário, de um homem que defendia a preservação de uma faixa litorânea de segurança contra a pesca de arrastão, o presidente ironizou, demonstrando total ignorância sobre o tema: "Que tal psicultura na piscina, boi no quintal e soja na cobertura do prédio. Eu apóio."

Essas respostas agressivas de Bolsonaro são feitas sob medida para "lacrar" na internet entre os seus seguidores. A turba bolsonarista vibra, curte, comenta, repercute, compartilha.

Os críticos, por mais fatos e argumentos que apresentem, são detonados: o xingamento mais corriqueiro é "petista", mas os ataques pessoais vão abaixo da linha da cintura.

Até ameaça de morte surge entre os comentários, entre outras lembranças à mãe do internauta e insinuações de cunho sexual.

#VTNC

Um outro comentário ao questionamento do #BlogCidadania23, em tom irônico, brincava: "Com certeza não foi o Bolsonaro que respondeu essa... Educação e fineza não são características suas".

O presidente respondeu no seu melhor estilo ogro: "Mario Alencar me desculpe, mas VTNC (vai tomar...)".

Demonstração explícita, uma verdadeira aula prática, de como rasgar qualquer manual de etiqueta, cerimonial, decoro e civilidade.

Mas o pior não é nem o comportamento inadequado do presidente. É a mentira, mesmo. Bolsonaro mentiu descaradamente na resposta ao jornalista. Simples assim. Ele se contradiz. Desmente a sua própria resposta anterior sobre a multa, que era a seguinte:

"Passei quatro anos respondendo por crime ambiental. Este tipo de delito, para ser caracterizado, tem que haver materialidade. Na área onde o Ibama me encontrou, nem peixe tem. Nada foi apreendido pela fiscalização. Eu não fui mais lá porque, se eu aparecer por lá, vou ser autuado. Não vou dar mole. Tive que abandonar o lugar onde gostava de passear com a minha família. A verdade é que me perseguem. Já respondi também, por quatro anos, pelo crime de racismo. Também provei que era uma denúncia infundada."

Flagrante da ilegalidade

O então deputado federal Jair Bolsonaro foi flagrado por fiscais do Ibama enquanto pescava às 10h50 do dia 25 de janeiro de 2012, uma terça-feira, dentro da Esec (Estação Ecológica) de Tamoios, unidade de conservação em Angra dos Reis (que agora o presidente já anunciou que pretende transformar na "Cancun brasileira").

Bolsonaro negou o flagra, mas uma foto feita pelos fiscais mostra o atual presidente com camiseta e sunga brancas em um bote com uma vara de pesca. Ele recusou se identificar (como se fosse necessário para reconhecê-lo) e afirmou que tinha autorização para pescar.

Segundo o relatório da fiscalização relativo à multa, Bolsonaro ainda se negou a sair da área de proteção e ligou para o então ministro da Pesca do governo Dilma Rousseff, o petista Luiz Sérgio. Os fiscais presentes na ação afirmaram que, aparentemente, Bolsonaro foi orientado pelo ministro a sair da unidade de conservação. Antes de sair, segundo os agentes do Ibama, porém, afirmou que no dia seguinte voltaria ao local para pescar.

Mesmo com as fotos de Bolsonaro no momento da ilegalidade, sua defesa, protocolada no Ibama em 22 de março de 2012, afirmava que o então deputado estava decolando do aeroporto Santos Dumont, no Rio, seguindo para Brasília, na mesma hora e local da aplicação da multa.

Tal defesa, entretanto, foi baseada na data oficial do auto de infração, 6 de março, não no dia exato da ocorrência. A demora de 41 dias teria ocorrido, segundo o Ibama, pela recusa de Bolsonaro em mostrar seus documentos, o que dificultou a aplicação formal da multa.

Veja aqui as matérias sobre a multa de Bolsonaro:

Bolsonaro retaliou fiscais do Ibama após ser multado por pesca irregular

Bolsonaro ignora flagra e diz que não estava em autuação por crime ambiental

Ibama anula multa de Bolsonaro por pesca irregular em área protegida

Ibama decide que multa a Bolsonaro por pesca irregular está prescrita