Prefeito Gilberto Kassab aprofunda aviltamento da vida política ao mercadejar apoio de seu recém-criado partido de conveniência
Oportunismo e fisiologia constituem, como se sabe, características permanentes na vida política brasileira. Raras vezes se viu, entretanto, espetáculo ao mesmo tempo tão explícito e tão refinado quanto o que se desenrola na sucessão à prefeitura paulistana.
O PSD do prefeito Gilberto Kassab, fundamentado no peculiar princípio de não ser "nem de oposição nem de situação", dá passos de balé em todas as direções.
Cortejava o PSDB, parceiro hesitante e nervoso, paralisado diante de alternativas pouco entusiasmantes. Seu nome mais representativo, o de José Serra, repete a coreografia desanimada do não candidato, na espera eterna de uma disputa sem risco, se possível para a Presidência da República. Enquanto isso, outros postulantes ao nada modesto cargo de prefeito da capital paulista se fortalecem para disputar prévias no partido.
O procedimento, em si recomendável e democrático, parece, no entanto, padecer de certa artificialidade, na medida em que surge mais como recurso para ganhar tempo, a ser descartado em caso de determinação superior, e menos como uma disputa capaz de galvanizar a militância partidária.
Mudam de rumo, então, os passos de Kassab -e o que se ensaia agora é uma pirueta do PSD para cair nos braços do PT.
O prefeiturável petista Fernando Haddad avaliou como "muito novo e precário" o movimento de aproximação entre o seu partido e o de Kassab, mas não se constrangeu a ponto de recusar negociações.
Constrangeu-se, sem dúvida, o contingente de vereadores petistas na Câmara Municipal. Como fazer uma aliança com o prefeito a quem se votava ferrenha oposição?
Os escrúpulos não duraram muito, ao que tudo indica. "O PSD já é base do governo Dilma", ressalvou um vereador.
Pouco importa, todavia, essa opinião, ou qualquer outra na direção contrária. "A decisão será tomada em Brasília ou em São Bernardo", resumiu o líder do PT na Câmara Municipal de São Paulo, Ítalo Cardoso.
Ou seja, será obedecida a orientação de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva, que já impusera o nome de Haddad como candidato sem qualquer consulta às bases locais do partido.
A política na maior cidade do país é assim tratada, no PT, segundo a tradição de mandonismo vigente no mais atrasado vilarejo do interior do Brasil. Kassab, do alto de seus índices de impopularidade, regateia um matrimônio de conveniência. Os tucanos, agitando sua plumagem decorativa, dão cor local ao cenário deprimente.