A onda de assaltos e arrastões praticados por um grupo de meninas (entre 9 a 15 anos) no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, atraiu a atenção da mídia. Porém, como já era de se esperar, não para discutir e encontrar uma solução, mas para garantir a espetacularização da miséria e da violência.
A Folha de S. Paulo deste domingo segue involuntariamente o roteiro do show: Infratoras buscam sonho de consumo 'cor-de-rosa', é o título da matéria de duas páginas, seguindo o padrão dominical.
A reportagem é auto-explicatica: "O perfil psicológico e socioeconômico do grupo foi desenhado ao longo de uma série de contatos com conselheiros tutelares e monitores do programa Presença Social nas Ruas, da prefeitura."
Ou seja, fez-se um "perfil psicológico" das meninas sem que a repórter se desse ao trabalho de tentar conhecê-las. Baseou-se na "série de contatos com conselheiros tutelares" e blablablá.
Não seria mais útil se a reportagem fizesse um "perfil psicológico e socioeconômico" dos próprios conselheiros tutelares? Se mapeasse quem são essas figuras que se engalfinham em disputas eleitorais, reproduzindo os vícios de seus padrinhos (todos políticos tradicionais), quase sempre sem o preparo necessário, em busca de um carguinho e um salário fixo?
Não podemos afirmar, mas há indícios - para quem conhece os conselhos tutelares - que boa parte do tal "perfil" desenhado na reportagem retrata mais os preconceitos e impressões dos conselheiros do que revela de fato quem são as meninas com seu "sonho de consumo cor-de-rosa".
Por exemplo, um trecho revelador:
"Pego o celular das lourinhas que já olham pra mim com medo", diz a garota negra, gorro rosa. Ela tem 11 anos, não se acha bela. "Bonita, eu? Olha a cor da minha pele", corta, diante do elogio.
Desconfie de um "jornalismo" (entre aspas) que também apresenta aspas (ou a fala direta do "personagem da matéria") de alguém que nem sequer foi ouvido. Desconfie igualmente de uma reportagem que vem com uma espécie de "bula". Como qualquer droga, terá contra-indicações.
Deve haver algum embasamento científico - talvez o mesmo usado pelas ciganas do Viaduto do Chá - para uma afirmação de que parece ser "hereditária" essa vocação para o crime e o abandono.
Depois reclamam que um Salim Curiati da vida, o político do PP malufista, venha defender o controle de natalidade como "solução" para exterminar o crime pela raiz, como fez nesta semana após ser assaltado e agredido dentro de sua casa no Morumbi. Terror gera terror. E ignorância pega!
Reproduzimos abaixo a reportagem, para que cada um tire a sua própria conclusão. Qualquer opinião mais crítica seria tendenciosa.
Infratoras buscam sonho de consumo 'cor-de-rosa'
Meninas de rua vagam na Vila Mariana em busca de celulares e lentes coloridas
Perfil psicológico das infratoras mostra a mesma situação de rua experimentada por suas mães e até avós
ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO
Alisante de cabelo e lentes de contato coloridas são itens visados nos arrastões protagonizados por meninas de rua, com idade entre 9 e 15 anos, nas lojas da Vila Mariana, na zona sul São Paulo.
"Quero ser bonita, tia", disse uma delas para a conselheira tutelar Ana Paula Borges, 29, em uma das mais de 20 vezes em que foi encaminhada para atendimento pela polícia no último ano.
Negras e mulatas de cabelos crespos, elas dizem querer alisar as madeixas para ficarem bonitas conforme padrão de beleza estabelecido. Usam os produtos na rua.
A mudança do visual chega à cor do olhos. Elas furtaram um kit de lente de contato verde de R$ 100. Como não dava para todas ficarem com duas lentes cada, dividiram o pacote. Algumas usavam só uma lente ao serem levadas recentemente à delegacia.
Nas fotos do grupo que ilustram o dossiê das sete garotas no Conselho Tutelar da Vila Mariana, as meninas fazem pose de modelo. Usam casacos rosa e acessórios.
"Como toda criança e adolescente, querem consumir, comer e passear no shopping. Elas pedem. Se não ganham, furtam", afirma Ana Paula.
Elas circulam nos metrôs Paraíso e Ana Rosa em busca dos ícones do consumo infantojuvenil: celulares, especialmente os cor-de-rosa.
"Pego o celular das lourinhas que já olham pra mim com medo", diz a garota negra, gorro rosa. Ela tem 11 anos, não se acha bela. "Bonita, eu? Olha a cor da minha pele", corta, diante do elogio.
O perfil psicológico e socioeconômico do grupo foi desenhado ao longo de uma série de contatos com conselheiros tutelares e monitores do programa Presença Social nas Ruas, da prefeitura.
Todas elas têm um histórico de abandono há gerações. "As mães delas viveram a mesma realidade de rua", diz Kátia de Souza, conselheira.
"É uma segunda e até terceira geração na rua. É como se fosse hereditário", confirma Ana Paula.
FAMOSAS
Desde o início de julho, os furtos das meninas na região começaram a chamar a atenção. Atraídas pela repercussão, outras crianças resolveram fazer o mesmo.
Segunda-feira, cinco meninas e dois meninos fizeram um arrastão num hotel, do Paraíso. Levados ao Conselho Tutelar da Vila Mariana, promoveram também um quebra-quebra no local.
Um terceiro grupo também agiu no Itaim Bibi (zona oeste) na última terça.
NOVA SAFRA
Eleição para conselheiros é em outubro
Os conselhos tutelares terão novos conselheiros. As eleições serão em 16 de outubro. Cerca de mil pessoas concorrem a 224 vagas. Hoje, há 37 conselhos na cidade de SP. Em 18 de novembro, data da posse, serão 44. A expectativa é que 130 mil votem. Qualquer munícipe acima de 18 anos pode votar -os locais serão definidos. (Folha de S. Paulo)
Enquanto isso...
Apenas para ilustrar o tamanho do problema e a desfaçatez dos políticos na busca de soluções eficazes, reproduzimos aqui no Blog do PPS três textos escritos entre 1993 e 1995 sobre o mesmíssimo assunto.
É isso: há 18 anos já chamávamos a atenção para o aumento da criminalidade dos menores nas ruas, o abandono, a violência. Um problema, portanto, que chegou à sua maioridade mas ainda é tratado como um problema "menor".
Há 18 anos, nenhuma destas meninas que hoje praticam assaltos e arrastões nas ruas havia nascido. Poderíamos ter combatido com seriedade as causas do problema, em vez de tentar encontrar agora uma resposta tardia para a nossa própria incapacidade de resolver este problema socioeconômico e político.
Leia:
De um lar miserável para a geladeira do IML
São Paulo S/A: fábrica de marginais
Receita para se fazer um criminoso