Com R$ 48 mi em caixa, obra antienchente fica no papel
Prefeitura obteve verba, mas não fez a obra prevista em Operação Urbana para a Pompéia
Ao todo, as 4 operações urbanas têm R$ 440,4 mi para gastar; especialistas apontam problemas de gestão da prefeitura
Em 1995, quando foi aprovada a lei que criou a Operação Urbana Água Branca, uma das obras previstas visava evitar enchentes na Pompeia. Treze anos depois, carros continuam flutuando em dias de tempestade como se fossem patinhos de borracha.
Nenhuma obra antienchente saiu do papel. A tradicional desculpa dos políticos, de que não há dinheiro, não vale para a área. A operação da Água Branca tem em caixa R$ 48,2 milhões para aplicar na Pompeia, na Barra Funda e em Perdizes. O dinheiro já rendeu R$ 9,45 milhões em juros, muito mais do que já foi aplicado em projetos (R$ 1,42 milhão). Não é um caso isolado. As quatro operações urbanas têm R$ 440,4 milhões para gastar, segundo a prefeitura.
Operação urbana é o instrumento jurídico que a prefeitura usa para recuperar ou intervir numa área. Para ter dinheiro para a intervenção, permite que uma empresa construa acima dos limites legais -uma empreiteira paga, por exemplo, para fazer um prédio de 20 andares onde a lei só permitia dez.
Quando o dinheiro se acumula no caixa da prefeitura, o sentido da operação se inverte: o estrago já foi feito, mas a cidade não recebeu a melhoria. O paradoxo de ter dinheiro em caixa e não conseguir realizar obras indica que a prefeitura enfrenta problemas com as operações urbanas, segundo três especialistas.
"Há um problema crônico de gestão. Isso ocorre em todas as operações urbanas. Faltam políticas que tenham continuidade", diz Eduardo Della Mana, diretor do Secovi, o sindicato das empresas imobiliárias.
"A prefeitura não consegue gastar esse dinheiro porque usa um modelo inviável para esses negócios: é preciso criar uma empresa para gerenciar essas obras", diz Nadia Somehk, professora de urbanismo da Universidade Mackenzie que fez uma pesquisa sobre operações urbanas para o Urban Age, um encontro internacional realizado no final de 2008 em São Paulo.
Londres, Paris e Roterdã, diz ela, criaram empresas só para tocar essas operações. Somehk é do PT e dirigiu a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) na gestão de Marta Suplicy.
Della Manna, que é empresário, endossa a proposta dela. Os dois dizem que é "absurdo" o dinheiro das operações ficar parado quando a cidade precisa de obras.
"Essas operações não funcionam bem porque a cidade perdeu a capacidade de planejamento. Não há clareza sobre os benefícios que as operações vão trazer para a cidade", afirma Sueli Schiffer, professora de pós-graduação em urbanismo da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo).
O caso da Água Branca é um exemplo de falta de clareza e de lentidão na gestão de que fala Della Mana. A prefeitura não tem um plano de obras contra enchentes para a região da Pompeia, mas dois -o mais antigo é de 2002. Agora, contratou um empresa para conciliar os dois projetos.
"Com R$ 48 milhões, dá para melhorar muito o problema de enchente na região da Pompeia, Perdizes e Barra Funda", diz o engenheiro Aluísio Canholi, que fez um dos planos. Para Sueli Schiffer, a ideia de que o recurso obtido pela operação tem de ser aplicado na região que a gerou é um pouco obtusa.
Um exemplo da ineficácia de obras pontuais é o túnel que a então prefeita Marta Suplicy (PT) abriu na região da Faria Lima. "Para essas coisas funcionarem a cidade precisa ter um plano de desenvolvimento. Sem essa articulação da obra pontual com o cenário geral, o risco de fracasso é enorme."
Obras na Pompeia estão em fase de projeto, diz prefeitura
Secretário da Infraestrutura diz que não há dificuldades para gastar e que boas intervenções precisam de bom plano
Marcelo Cardinale Branco, secretário de Infraestrutura Urbana e Obras da prefeitura, diz, em nota, que não existe "dificuldade em gastar o dinheiro das operações urbanas". De acordo com ele, "boas intervenções precisam de um bom projeto e é o que estamos fazendo".
A existência de recursos em caixa, para Branco, não é um indicador de fracasso. "É necessário vender os títulos quando o mercado está disposto a comprar", afirma a nota.
"Se não tivéssemos vendido títulos das operações urbanas no ano passado [o que gerou esses valores em caixa], certamente não os venderíamos hoje no mesmo volume, com a diminuição da atividade econômica. Nos próximos meses é possível que gastemos mais do que arrecadaremos [porque vários projetos estão sendo concluídos, e as obras, licitadas]".
O secretário se refere às operações urbanas Faria Lima e Água Espraiada, que arrecadam recursos com a venda de títulos que permitem construir mais do que o limite permitido pelo zoneamento da região. Nas operações Água Branca e Centro, o responsável pela obra paga quando aprova o projeto, sem a venda de títulos.
No caso da Água Branca, a secretaria diz que a operação só despertou o interesse do mercado imobiliário a partir de 2005. Por isso, o plano de obras não foi implantado.
Outro problema é que a tendência na região sofreu uma mudança, diz a secretaria.
Em 1995, a lei previa a criação de um polo de comércio e serviços, mas essa previsão não se concretizou. O espaço para imóveis residenciais está praticamente esgotado e há sobra para áreas comerciais. Por isso, a lei passará por uma revisão.
As obras contra enchentes se encontram em fase de projeto, de acordo com a Secretaria de Infraestrutura. Não há previsão para o início das obras.
Região da Água Branca tem dois planos contra enchentes
O caso da Água Branca é um exemplo de falta de clareza e de lentidão na gestão de que fala o diretor do Secovi Eduardo Della Mana. A prefeitura não tem um plano de obras contra enchentes para a região, mas dois -o mais antigo é de 2002. Agora, contratou uma empresa para conciliar os dois projetos.
"Com R$ 48 milhões, dá para melhorar muito o problema de enchente na região", diz o engenheiro Aluísio Canholi, autor de planos. Com essa verba, segundo ele, daria até para construir um piscinão.
Originalmente, a operação Água Branca tinha como foco a construção de prédios comerciais, como os que foram levantados na área que era ocupada pela antiga fábrica da Matarazzo. O mercado imobiliário, porém, percebeu que a área era mais propícia para moradia.
"O mercado sabe disso há sete, oito anos e só agora a prefeitura está pensando em mudar o caráter da operação", afirma Della Mana.
Nadia Somehk diz que a descontinuidade das obras é a pior praga das operações urbanas. Segundo ela, cidades como Paris e Londres já descobriram que o antídoto contra essa tendência é a criação de consórcios do poder público com a iniciativa privada para tocar as obras. "Se tivesse uma empresa específica para gerir cada operação, o dinheiro não ficaria parado."
Para Sueli Schiffer, a ideia de que o recurso obtido pela operação tem de ser aplicado na região que a gerou é um pouco obtusa. Um exemplo da ineficácia de obras pontuais é o túnel que a então prefeita Marta Suplicy abriu na região da Faria Lima.
"Para essas coisas funcionarem a cidade precisa ter um plano de desenvolvimento. Sem essa articulação da obra pontual com o cenário geral, o risco de fracasso é enorme", diz ela.
Mais verba
A operação urbana que tem o maior volume de obras na cidade é a da Faria Lima. Lá, a prefeitura reurbaniza o largo da Batata para acomodar uma estação do metrô.
No Itaim, está prevista a construção do boulevar Juscelino Kubistcheck.
Orçada em R$ 99 milhões, as obras do largo da Batata devem ficar prontas no final do ano.
Os dados financeiros da operação espelham as obras em curso. Dos R$ 873,2 milhões arrecadados, R$ 700,8 milhões já foram aplicados. Na Operação Urbana Água Branca, ocorre o oposto. Foram arrecadados R$ 57,3 milhões e só foram gastos R$ 9 milhões.