Soninha Francine (Folha de S.Paulo, 10 de janeiro de 2012)
Quando a população torra seis horas por dia se deslocando, fazer obras na periferia não basta; é necessário trazer as pessoas para perto do trabalho
Para chegar ao serviço às 8h, ela sai de casa às 4h -e não estará de volta antes das 20h ou das 21h.
Uma população de milhões de pessoas torra seis horas ou mais por dia em deslocamentos. É quase um dia de trabalho.
Assim, estudar, fazer atividade física, comer com calma, conversar com os filhos, ajudá-los na lição de casa, frequentar equipamentos culturais, criar laços de amizade com a vizinhança e todas as outras recomendações para uma vida saudável e equilibrada caem no ridículo.
Segundo pesquisa do Instituto AGP, dois terços dos paulistanos sequer dormem o mínimo necessário para se recompor de tão dura jornada e ter energia para a próxima. Como esperar deles disposição para a convivência pacífica e solidária? Pense no seu mau humor depois de uma noite mal dormida. Multiplique por "todas".
Idas e vindas são tão penosas por duas razões. Uma é suficientemente amaldiçoada: o congestionamento. A outra ainda não é tão considerada: as imensas distâncias entre as casas e o trabalho, causadas principalmente pelo desequilíbrio na ocupação do espaço urbano.
Onde há muita atividade econômica -ou seja, postos de trabalho na indústria, no comércio e no setor de serviços-, mora pouca gente. Onde a população incha (como na periferia da capital e nos municípios vizinhos), os empregos são escassos. A escandalosa desigualdade na oferta de serviços públicos e de infraestrutura urbana dispensa maiores comentários.
A solução proposta costuma ser tratar o sintoma: mais creches na periferia, por exemplo. Mas jamais teremos estrutura suficiente para crianças de quem a mãe se despede antes das 4h. É esse o mundo que queremos, com crianças sob cuidados profissionais por 13 horas?
Essa multidão que dorme na cidade B e tem de vir todo dia para a cidade A sabe que um sinônimo para insustentável é insuportável.
São Paulo pode ter uma boa nota naqueles testes antigos de QI, mas hoje se admite que não adianta ter bom desempenho intelectual e ser fraco em equilíbrio emocional e em capacidade de manter relacionamentos sãos.
Se até tecidos podem ser "inteligentes", uma cidade tem de ser. Ela deve aproveitar melhor o que já tem, não desperdiçar energia (começando pela das pessoas), dispor da tecnologia para cruzar informações e incentivar a criação de empregos conforme a necessidade, vocação e os recursos de cada lugar.
Tem também de olhar para um imóvel com o discernimento de um empreendedor e o interesse pelo conjunto da sociedade, assegurando o melhor uso possível.
Isso significa erguer um prédio para pessoas de menor poder aquisitivo no lugar de um estacionamento no centro, em vez de fazê-lo na casa do chapéu e deixar a região central só para o mercado de apartamentos de alto padrão.
Com mais gente morando perto do trabalho, há mais tempo para lazer, estudo, esporte, cultura, convivência, repouso. Com menos deslocamentos, há menos consumo de combustível, barulho e poluição. E mais espaço, mais gente a pé se conhecendo e se encontrando, mais saúde física e mental, maior possibilidade de bem estar.
Porque cidade inteligente é cidade feliz. Se as pessoas estão exaustas e não são felizes, de que adianta o resto?
SONINHA FRANCINE, 44, tem formação em magistério e em comunicação social. Foi vereadora em São Paulo (2005-2008) e subprefeita da Lapa. Atualmente dirige a Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades