Ao debitar na conta de Dilma Rousseff a prova de que o PT é "atualmente desnecessário, já que foi simplesmente alijado da política econômica, assim como das políticas industrial e agrícola, limitando-se a ser um gestor das relações políticas do Estado e do sistema estatal de cooptação da sociedade civil", o filósofo Vladimir Safatle, em seu artigo Esquerda zumbi (Ilustrada, 2/12), inicia um corajoso e preciso diagnóstico.
De fato, parece salutar rediscutir as instituições democráticas e os princípios republicanos à luz da história, sobretudo num momento em que há o enxovalhamento da esquerda como reação à tomada de assalto ao poder pelo petismo, com seus métodos deploráveis de aparelhamento do estado e até de práticas criminosas na gestão pública.
Ao caracterizar o governo federal e o PT como mortos-vivos apegados ao poder que vagam como zumbis, Safatle só se esqueceu de dizer, mesmo que de forma ligeira, que foi um quase cúmplice desse estelionato petista, por ter ajudado a reeleger Dilma e recentemente ter colaborado com a eleição do prefeito Fernando Haddad, antes de sinalizar este pretendido farol da esquerda.
Mas sejamos respeitosos: nunca é tarde para fazer autocrítica e reconhecer os erros. Por isso, saudamos a chegada de Safatle ao ponto do qual partimos em 2004.
Há dez anos, já apontávamos as contradições do governo petista, entre as quais a adoção exacerbada de políticas compensatórias de clara funcionalidade conservadora e a continuidade da política macroeconômica do governo FHC (1995-2002) sem fazer os avanços que prometera. Quando o governo Lula estava no auge da popularidade, sem que ninguém o contestasse, já pregávamos a correção de rumos.
Por mais que o artigo de Safatle seja válido pela crítica formulada, discordamos da afirmação que "a política a ser implementada (por Dilma) é dificilmente distinguível do que seria um governo tucano ou marinista". Errado. Tanto Marina quanto Aécio dariam à Presidência da República a credibilidade que falta a Dilma e ao PT.
A presidente não é ruim por se declarar de esquerda ou de direita, mas por ser má gestora e agir na contramão do que pregou durante a campanha. O PT não tem palavra, não tem programa, não tem projeto, salvo continuar no poder. E, para tanto, coloca em prática aquilo que o motivou à reeleição: "Vale fazer o diabo". Não é à toa que padeça no "Juízo Final" (não o bíblico, mas o que a Polícia Federal denominou como consequência de sua Operação Lava Jato).
Portanto, quando se trata da crise que em tese atinge partidos de origem socialista no mundo inteiro, parece impróprio compará-los à esquerda brasileira –e, mais grave, rotular o PT como o legítimo representante dessa esquerda, como faz Safatle, quando esse partido já abandonou há tempos os princípios originais que apresentava enquanto atuava na oposição.
Há, por outro lado, modelos de uma esquerda renovada que estariam surgindo na Espanha e na Grécia. São esses que vão nos guiar? Não creio. Se nos inspirarmos na Itália, tanto no aggiornamento da esquerda democrática quanto na Operação Mãos Limpas, talvez já seja um bom começo.
Precisamos superar a forma tradicional de fazer política e buscar a incorporação das novas forças sociais, hoje dispersas, em um amplo movimento reformista, impondo ao Estado uma pauta centrada no desenvolvimento econômico e ambientalmente sustentável, equânime na distribuição da riqueza, e aos partidos o papel de interlocutores destes movimentos e seus tradutores na linguagem das leis e das políticas públicas.
ROBERTO FREIRE é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
MAURÍCIO HUERTAS é secretário de Comunicação do PPS-SP
Publicado em Tendências/Debates da Folha de S.Paulo (terça-feira, 30/12/2014)