Convoco a todos dirigentes e militantes para o debate com a temática “Unir a Esquerda Democrática Para Mudar o País”, em uma época marcada por agudos desafios no Brasil e no mundo. Nesse sentido, esta contribuição que ora apresentamos visa abrir um fecundo processo de discussão sobre nosso futuro como organização partidária.
Abraços
Roberto Freire
Presidente do PPS
TEXTO BASE
NO RUMO DO XVII CONGRESSO
Há pouco menos de 20 anos o PPS era fundado, no X congresso do PCB. Inspirado na avaliação crítica da trajetória do socialismo real, propunha uma alternativa de mudança, na perspectiva de uma esquerda moderna sob a diretriz da democracia.
Definiram-se então a radicalidade democrática como objetivo e instrumento de mudança, a reforma democrática do estado como estratégia de ação, as forças emergentes do novo mundo do trabalho e da cultura como parceiros preferenciais e a construção de um partido de novo tipo e de uma nova formação política como ferramentas desse projeto.
O XVII Congresso será o momento de avaliação dessa experiência, de verificação do percurso do PPS à luz dos objetivos definidos naquele momento e de reconsideração desses objetivos, à luz da história dos últimos 20 anos.
Nessa direção, apresentamos um roteiro de teses para iniciar os debates congressuais. Não é objetivo deste texto justificar em detalhe todos os pontos do roteiro, mas apresentar seus temas gerais, assim como alguns dos pressupostos de sua seleção.
Anexamos o documento 2010: o PPS pensando o Brasil, contribuição programática à campanha de José Serra, resultado de um esforço de discussão coletiva recente do partido, base para a elaboração de muitas das teses propostas no roteiro.
1 – O PPS no quadro da esquerda contemporânea
O PPS permanece no campo da esquerda? Para muitos observadores externos, bem como para alguns de seus filiados a resposta a essa pergunta é não. Para muitos outros militantes e dirigentes a resposta é afirmativa. Definir com maior clareza a identidade política e ideológica do PPS é, portanto, a tarefa mais importante do Congresso. Para tanto é indispensável debater o significado da esquerda no mundo atual, suas diferenças em relação ao campo da direita, assim como as divisões internas à esquerda e o posicionamento do PPS em relação a elas.
Esquerda significa, hoje como ontem, tomar a equidade como valor fundamental e problema principal da agenda da política. Significa reconhecer que a tradição e o mercado criam, perpetuam e justificam desigualdades e que as soluções da direita liberal e conservadora não são, portanto, aceitáveis para nós.
Afirmamos a atualidade e importância da oposição entre esquerda e direita para a descrição e entendimento do campo da política. A tese do fim dessa oposição, do fim da esquerda em particular, foi alimentada pelas crises que atingiram sucessivamente os modelos originados dessa matriz: o socialismo real e a social-democracia.
O fim do socialismo real, depois de um longo período de agonia, teve como causa imediata os efeitos da revolução científica e tecnológica no mundo capitalista. O PPS foi fundado ao final de um processo de discussão em que a auto-reforma do regime socialista aparecia como uma possibilidade real. O fracasso dessa reforma mostrou a incapacidade do regime de conduzir a bom termo uma transição na direção de um socialismo democrático.
As conclusões políticas firmadas na época, na direção correta, arrojadas para a época, foram, porém, tímidas vistas de hoje. Era e é necessário reconhecer o fracasso do modelo bolchevique, inspirado na revolução de outubro, teorizado por Lenin e reproduzido pelos partidos comunistas. Insurreição, assalto ao poder, estatização dos meios de produção, regime de partido único.
Essa receita que pareceu por um tempo o único caminho para o socialismo revelou-se um beco sem saída. Aprendemos com o século XX que, considerando um conceito exigente de socialismo, que contemple a dimensão da democracia e da sustentabilidade das conquistas alcançadas, nunca, em nenhuma das tentativas realizadas, a aplicação dessa fórmula levou ao socialismo. Insurreições são capazes de derrubar governos, mas não de mudar as relações entre os homens. Essas relações somente mudam na política, em condições de operação democrática.
Anterior ao colapso do socialismo real foi a crise da social-democracia. Não a social-democracia no sentido amplo, como opção de esquerda pela mudança no interior das instituições democráticas, como contraposição ao revolucionarismo bolchevique, mas a social-democracia como modelo de domesticação e humanização do capitalismo, inspirado em Keynes.
A receita aqui foi outra. Estado forte, produtor de insumos básicos, engenheiro da prevenção de crises. O Estado que, como fiador simultâneo do lucro dos empresários e da segurança dos trabalhadores, exige em troca o voto dos cidadãos e garantia de emprego e salário dos capitalistas. O Estado da democracia representativa, no qual as decisões são tomadas por governantes eleitos e representantes corporativos de trabalhadores e empregadores.
A crise desse modelo e a hegemonia liberal de quatro décadas que se seguiu à idade de ouro da social-democracia não decorreram de capitulação política, mas de dificuldades estruturais do modelo em condições de globalização e revolução tecnológica.
A crise dividiu a social-democracia. Sua ala mais tradicional considerou a tentativa de adaptação dos partidos socialistas, trabalhistas e social-democratas à nova realidade uma rendição ao liberalismo. Mantém, até hoje, a proposta social-democrata num mundo sem condições de sustentá-la.
Nesse mundo, a possibilidade do pleno emprego desapareceu, a margem de variação das políticas econômicas dos estados nacionais encolheu, o estado de bem-estar social tornou-se mais caro e menos eficiente e um número cada vez maior de problemas passou a depender de soluções negociadas no âmbito supranacional.
Nessas condições, a aplicação da velha receita da social-democracia parece muitas vezes gerar efeitos opostos aos que provocou na idade de ouro do modelo. Estagnação econômica, aumento da desigualdade, inflação e apagões diversos.
A ala renovadora da social-democracia, por sua vez, compreendeu, em linhas gerais, a necessidade da mudança e seu rumo, mas com uma importante omissão. Perceberam a insuficiência do Estado para regular o mercado e a necessidade, de um lado, de instâncias reguladoras supranacionais e, de outro, da regulação da sociedade civil organizada no plano local. Perceberam que um projeto renovado de esquerda deveria transitar do Estado na direção do autogoverno e que um novo Estado, reformado, era indispensável para essa travessia.
Não perceberam, contudo, a necessidade de um caminho semelhante no interior do próprio mercado. A emergência e importância cada vez maior do novo mundo do trabalho, que reúne trabalhadores por conta própria, trabalhadores familiares, terceirizados, micro e pequenos empresários, cooperativas e trabalhadores com participação nos lucros das empresas, exigem também mudanças, no rumo do aumento da iniciativa, da responsabilidade e da participação dos trabalhadores na gestão das empresas. Nessa segunda dimensão da mudança, subestimada ou ignorada pelos social-democratas renovadores, o caminho vai do Estado para a autogestão.
Essa omissão levou todos os social-democratas renovadores a naturalizar, na prática, o mercado e a aproximar-se das propostas liberais.
Comprovada, na recente crise econômica mundial, a incapacidade de o liberalismo gerir e equacionar os problemas que produz, o status quo mostrou sua cara: um pêndulo que oscila entre o mercadismo liberal e o estatismo conservador da social-democracia tradicional.
Em que medida é possível qualificar de conservador a mesma relação de políticas baseadas na intervenção do Estado que víamos como progressistas no passado? Na medida em que seus efeitos hoje parecem ser opostos aos verificados ontem. O antigo estatismo, associado comumente ao nacionalismo e ao desenvolvimentismo, produziu desenvolvimento nacional, crescimento econômico e, embora em medida muito menor que a social-democracia européia, redução das desigualdades, inclusão social e segurança dos trabalhadores. A reprodução contemporânea dessa receita parece, por sua vez, produzir estagnação econômica, aumento da desigualdade e pauperização da população.
O ponto fundamental é reconhecer que não é a maior ou menor presença do Estado, mas sim a função desse Estado, que define uma posição de esquerda. Estatismo conservador é estado forte que se limite a arrumar a economia durante as ressacas do liberalismo, é estado forte que permite a manutenção ou aumento da desigualdade, é estado forte que subordina as questões da equidade, da democracia e da sustentabilidade a objetivos estratégicos outros.
Por isso é urgente o aggiornamento da esquerda democrática. A crítica a partir do estatismo não representa necessariamente mudança e pode implicar retrocessos, do ponto de vista da democracia e da equidade.
Nessa perspectiva, o avanço consiste em incorporar de forma resoluta e completa a questão da equidade na perspectiva da democracia e da sustentabilidade.
Em suma, de forma simplificada, o revolucionarismo, no seu horizonte, pretendia pôr fim ao mercado. A social-democracia pretendia domesticar e humanizar o mercado. A esquerda democrática e moderna deve partir de uma visão mais ampla e afirmar sua crítica aos males do mercado e aos males do Estado. Deve se colocar como propositora de um programa que vise, ao mesmo tempo, regular e democratizar o mercado, mas também ampliar e democratizar o Estado.
Em outras palavras. O fracasso do revolucionarismo desmentiu a hipótese leninista de superação do capitalismo. A social-democracia conseguiu demonstrar, em momentos e países localizados, a insuficiência da hipótese marxista de pauperização dos trabalhadores e de manutenção dos salários nos níveis de subsistência. A esquerda moderna e democrática deve demonstrar a insuficiência da hipótese marxista da necessidade do exército industrial de reserva.
2 – O PPS no quadro partidário brasileiro
A direita conservadora no Brasil, herdeira do Centrão da Constituinte, reúne-se hoje nos partidos do governismo. Esse conjunto de partidos mais preocupados em apoiar governos e deles participar que em disputar eleições presidenciais é heterogêneo do ponto de vista de sua história, composição e representação social. Nele se encontram o PMDB, vindo da resistência à ditadura militar, mas também o PTB e o PP, com origem no apoio a esse regime. Hoje seu norte comum é o apoio ao governo da vez, por meio da abdicação dos poderes legislativos em troca de participação na máquina estatal. Exercem poder de veto sobre toda e qualquer proposta que extrapole os limites dos interesses dominantes ou implique reforma do Estado. A regra eleitoral, personalista e antipartidária, que vigora no país favorece uma tendência à homogeneização em torno desse padrão que afeta em maior ou menor medida a todos os partidos.
Difícil é imaginar nas condições presentes a possibilidade de um governo que consiga autonomizar-se por completo desses partidos. Deve ficar claro, contudo, que o alcance e a profundidade das mudanças progressistas estarão em relação inversa ao seu peso na coalizão governamental.
Os Democratas buscam afirmar um projeto, ainda não concretizado, de construção de um partido de direita liberal. Ancorado em lideranças locais conservadoras, instaladas por décadas no poder, mostra dificuldades de operar afastado das máquinas do Estado. O sucesso de sua dissidência recente, o PSD, mostra, ao mesmo tempo, essa dificuldade oposicionista e a existência de espaço para mais um sigla no campo do governismo.
O revolucionarismo persiste nos pequenos partidos neobolcheviques.
Finalmente temos os dois partidos que com mais densidade eleitoral polarizam as disputas desde 1994: PSDB e PT.
O PT foi criado como tentativa consciente de modernizar o projeto revolucionarista, mas sob o discurso do novo persistiu o velho projeto. Sua crítica ao socialismo real não foi de fundo, a partir da questão democrática, mas permaneceu na superfície: a burocratização e os desvios, supostamente à direita, em relação ao modelo original.
A experiência eleitoral e, principalmente, a conquista de importantes prefeituras, levaram o PT rapidamente para uma postura social-democrata clássica. A prática do partido à frente do governo, a partir de 2002, foi além e reproduziu, sem discussão interna, políticas e propostas anteriormente criticadas no governo anterior. Coexistem no PT hoje as duas faces da social-democracia: mercadismo liberal e o estatismo conservador. Ambas abraçadas de maneira pragmática, não refletida, de forma a conservar todo o vezo autoritário herdado do revolucionarismo.
O projeto do PT, além disso, mantém, de forma amplificada, a inspiração sindicalista que se encontra na sua origem. Portador de uma visão concentrada nos interesses econômicos das classes subalternas, mal consegue ultrapassar a perspectiva da democratização da sociedade pela via do consumo. Sem capacidade de universalização de um projeto transformador da sociedade, desconsidera as dimensões da participação, da iniciativa e da responsabilidade dos cidadãos, tanto na política e quanto na gestão econômica.
O PSDB procurou desde sua fundação, ao separar-se do PMDB, uma identidade social-democrata. No governo FHC avançou para uma posição renovadora e foi o grande responsável pela revolução econômica e social que se iniciou com o Plano Real e que está na base de todos os avanços obtidos nos últimos 15 anos. No entanto, os avanços foram limitados pela aliança conservadora que sustentou o governo, pelo sectarismo da oposição e pelas divisões internas do partido. As candidaturas presidenciais posteriores mostraram a ambigüidade e vacilação do PSDB na defesa de seu legado à frente do governo.
Nesse quadro partidário há, sem dúvida espaço para uma esquerda democrática e moderna. A condição de sua viabilidade é a afirmação política clara de suas posições, capaz de demarcar suas diferenças em relação tanto ao revolucionarismo quanto às diferentes manifestações partidárias da social-democracia.
Para melhor enfrentar os desafios que vislumbramos aqui, temos uma pauta que precisa ser superada, fundada nos seguintes itens:
1 – A nova formação política e a nova realidade da sociedade em rede, no Brasil e no mundo;
2 – Análise da trajetória do PPS e o momento atual, seu papel na oposição e as eleições de 2012;
3 – Balanço do Trabalho de Direção.