Primeiro, São Paulo; agora, o Rio. As chuvas mataram 78 pessoas no Estado de São Paulo desde dezembro.
Ontem (enquanto escrevo), chegavam a 179 as mortes provocadas pela tragédia
fluminense. O mundo no Rio desabou em menos de 48 horas. Já havia sido assim no Réveillon, quando 52 pessoas morreram soterradas em Angra. Nem isso serviu de alerta ao governador Sérgio Cabral, que na ocasião delegou a seu vice, o Pezão, a missão de "gerir" os escombros. A Rede Globo, no entanto, trata seu governador à base de leite de cabra.
Não é o caso de insinuar nenhuma gincana macabra entre São Paulo e Rio. Há famílias destruídas e cadáveres demais dos dois lados da Dutra. O saldo terrível deste verão deveria, isto sim, ensejar uma reflexão menos circunstancial e complacente sobre o destino das maiores cidades do país. São Paulo e Rio entraram em colapso. E estão mostrando, cada uma a seu modo, o que ainda significa ser pobre no Brasil.
Morro acima ou periferia afora, eles foram se amontoando ou se espalhando como dava (e dá), nas franjas inóspitas ou inaproveitáveis das cidades, quase sempre à margem de um progresso para o qual têm sido atraídos e do qual acabam sendo sempre apartados.
Nas encostas do Rio ou no cinturão de laje que São Paulo criou à sua volta, assistimos a uma brutal favelização das cidades nas últimas décadas. A diferença é que a topografia carioca, capaz de explicar a dimensão da atual catástrofe, dá maior visibilidade à miséria. Enquanto São Paulo empurra seus pobres para as bordas da metrópole, no Rio a pobreza também despenca sobre a zona sul. Nos dois casos, o poder público costuma agir a reboque e só quando não é mais possível manter a omissão de sempre: o Jardim Pantanal (São Paulo) e o morro dos Prazeres (Rio) são fraturas expostas de um mesmo trauma.
A revolta da natureza tirou do habitual estado de repouso uma tragédia social que o Rio há muito transformou em cartão-postal. Durma-se agora com uma paisagem dessa.
(Artigo de Fernando de Barros e Silva, publicado na Folha de S. Paulo de hoje)