Nos últimos meses, cresceu a especulação sobre quem seria a alternativa de centro na eleição de 2018. Houve alguma malandragem na construção dos termos do debate.
Teve gente vendendo a ideia de que Lula estaria à mesma distância do centro do que Bolsonaro, o que é, evidentemente, falso (o equivalente de esquerda de Bolsonaro é Maduro). E, curiosamente, as listas de possíveis candidatos de centro só incluem candidatos mais ou menos na órbita do PSDB; quase não se discute Marina Silva, por exemplo, que é quem mais claramente tem uma posição moderada na política brasileira atual.
A busca pelo candidato de centro também parece inspirada pela eleição de Macron na França. O "Quero ser Macron" vem causando confusões na política brasileira.
A Rede Sustentabilidade de Marina Silva parece oscilar entre o projeto de fazer a Rede ocupar a liderança da centro-esquerda no lugar do PT e o projeto de ser um "En Marche", o movimento criado por Macron. A dificuldade de decidir entre os dois dificultou, por exemplo, o êxodo de petistas que se esperava que entrassem para a Rede lá por volta de 2015.
E entre as muitas trapalhadas que afundaram a candidatura Doria estava sua oscilação entre o "quero ser Trump" e o "quero ser Macron". Uma revista semanal o apresentou como o "Anti-Lula". Ora, o Anti-Lula não é o centro, mesmo se aceitarmos os termos meio picaretas do debate. O MBL não é um "En Marche". Trump e Macron, na vida real, se dão bastante mal.
No fundo, há uma certa imprecisão no que se espera de um candidato de centro no Brasil. O país não precisa de um candidato que fique no meio do caminho em todas as discussões. Muito pelo contrário: o "centrismo" de que precisamos é mais a resultante de movimentos razoavelmente arrojados à esquerda e à direita.
Pela direita, é preciso acelerar a inserção do Brasil nas cadeias produtivas globais. O Brasil cresceu espetacularmente bem durante décadas com protecionismo, mas na hora de mudar de estratégia e nos abrirmos, fracassamos, e nunca mais crescemos. Há várias coisas que podem ser propostas para resolver isso, mas parte do programa certamente será liberal: abertura comercial e medidas que melhorem nossa competitividade. Essas medidas são ousadas, difíceis, cheias de riscos.
Pela esquerda a tarefa urgente é lutar por justiça tributária. O traço distintivo do Brasil é sua obscena desigualdade de renda. Se levarmos a sério a necessidade de controlar os gastos públicos, precisamos também admitir que logo esbarraremos nos limites do que é possível redistribuir de renda pelo lado do gasto. Será, portanto, cada vez mais urgente cobrar imposto de rico, algo que não fazemos no mesmo nível dos outros países. Isso também será uma briga dos infernos, e também trará riscos.
Se o (a) eleito (a) em 2018 realizar esses dois objetivos, o país resultante talvez seja "centrista" na medida em que corresponderá mais ou menos ao arranjo médio dos países desenvolvidos atuais. Entretanto, cada um dos lados desse programa é um gesto brusco: o lado liberal é mais liberal do que os governos do PSDB foram. E o lado redistributivo é mais de esquerda do que foram os governos petistas. O país precisa tanto de mais capitalismo quanto de mais socialismo, em doses fortes, ao mesmo tempo.
Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford e colunista da Folha de S. Paulo (artigo publicado em 1/1/2018).