(Reprodução da Folha de S. Paulo de quinta-feira, 21/2/13)
A Corregedoria da Câmara de São Paulo decidiu investigar o vereador Aurélio Miguel (PR), acusado de corrupção e improbidade administrativa pelo Ministério Público.
A apuração pode levar a processo de cassação do mandato de Miguel, campeão olímpico de judô em 1988.
Em junho, a Folha revelou que uma ex-executiva de empresa que administra shoppings acusava Miguel e Hussain Aref Saab, ex-diretor do setor de aprovação de prédios da prefeitura, de terem recebido propina da companhia.
No caso de Miguel, a propina seria para que ele não incluísse os shoppings da empresa nas investigações da CPI do IPTU, que presidia.
Na semana passada, reportagem da Folha revelou a explosão patrimonial de Miguel desde que ele assumiu o cargo de vereador -passou de R$ 1,4 milhão em 2004 (valores atualizados) para R$ 25 milhões apenas em imóveis.
O pedido de abertura de investigação na Câmara foi feito ontem pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL). O corregedor-geral, Rubens Calvo (PMDB), poderia rejeitar a solicitação, mas ele determinou a abertura da investigação.
Até hoje, nenhuma apuração realizada pela Corregedoria, que foi criada em 2003, resultou em punição. Wadih Mutran (PP), corregedor até 2010, chegou a declarar que o órgão nem deveria existir.
Desta vez, o processo pode ter um caminho diferente. Miguel está isolado na Câmara -conta com o apoio de poucos colegas- e a investigação tem o aval do prefeito Fernando Haddad (PT), que possui maioria absoluta na Casa.
A prefeitura já ofereceu a Calvo toda sua estrutura para ajudar na investigação.
"Nossa opinião é que tem de ser investigado. Vai caber a nós juntar documentos fornecidos pelo Ministério Público, documentos que nós mesmos podemos recolher e as contraprovas oferecidas pelo vereador", disse Calvo.
Para Vespoli, a investigação é necessária para proteger a imagem da Câmara. "O objetivo é dar certa moral para a Casa. Não dá para a Câmara esperar a Justiça e fingir que nada está ocorrendo."
A votação final de um eventual pedido de cassação pode ocorrer, na melhor das hipóteses, em 120 dias. Serão necessárias duas votações em plenário e os votos de 37 dos 55 vereadores da Casa.
David Teixeira Azevedo, advogado de Miguel, disse que o vereador está tranquilo e vai provar sua inocência "em quaisquer ambientes em que for investigado".
(GIBA BERGAMIM JR., ROGÉRIO PAGNAN, EVANDRO SPINELLI)
Ex-membro de CPI critica relatório final
Cláudio Fonseca (PPS) diz que conclusão de comissão foi "muito menor" do que a abrangência da investigação
Único dos integrantes a votar contra documento final, ele será ouvido pela Promotoria em inquérito sobre judoca
Integrante da CPI do IPTU, em 2009, o ex-vereador Cláudio Fonseca (PPS) afirma que o relatório final da comissão não é condizente com as investigações feitas à época.
"Depois de tudo o que foi dito lá [na CPI], o relatório foi muito menor do que eu esperava", diz Fonseca, único dos sete integrantes da comissão que votou contra o relatório.
Ele será ouvido pela Promotoria em inquérito que apura suposta cobrança de propina pelo vereador Aurélio Miguel (PR) para não incluir shoppings no relatório.
Miguel presidia a CPI. O relator era Antonio Donato (PT), secretário de Governo de Fernando Haddad (PT).
Para Fonseca, apesar de haver muitos requerimentos de investigação na CPI, não houve tanta apuração.
A maioria dos requerimentos era apresentada por Adilson Amadeu (PTB), outro integrante da comissão.
"Eu indaguei a origem de tantos requerimentos para investigar imóveis na cidade. O Adilson Amadeu me disse que recebia essas denúncias por e-mail. Registrei que eu, apesar de ser vereador com alguma visibilidade, não tinha recebido nenhuma denúncia por e-mail", afirmou.
No total, a CPI recebeu 1.991 requerimentos para investigar supostos lançamentos irregulares de IPTU.
Para Fonseca, Miguel e Amadeu comandavam as investigações da CPI como queriam, e Donato atuava de comum acordo com eles.
"Nunca vi o Donato se contrapor a um encaminhamento dado por eles [Miguel e Amadeu]. Não o estou acusando de nada, mas talvez ele [Donato] tenha adotado a lei do menor esforço", disse.
Testemunhas apontam que Aurélio Miguel recebeu propina para livrar shoppings das investigações da CPI.
Nenhum shopping ligado à BGE, empresa do grupo Brookfield acusada por uma ex-executiva de ter pago propina a Miguel, foi citado no relatório final da comissão.
Segundo ex-funcionários da empresa, cada um dos cinco shoppings do grupo pagou R$ 200 mil a Miguel -o vereador nega. Nenhuma das testemunhas cita irregularidades cometidas por Amadeu ou Donato. O secretário de Governo de Haddad não quer se pronunciar sobre o caso.
Amadeu não respondeu aos recados da Folha.
Outro lado
Investigação é oportunidade para Aurélio Miguel provar inocência, diz advogado
O advogado David Teixeira Azevedo, defensor do vereador Aurélio Miguel (PR) na área criminal, disse que seu cliente não teme uma investigação feita pela Câmara.
"Ele não tem medo de nenhum ambiente. Nem do ambiente político da Câmara nem do ambiente judicial. Ele tem medo da má-fé humana."
Para ele, a apuração "é mais uma oportunidade para o vereador demonstrar sua inocência, por meio de documentos que comprovam ser ele vítima de perseguição".
Azevedo utilizou o termo má-fé para falar do Ministério Público que, para ele, tenta ligar indevidamente o nome de Miguel ao do ex-diretor do Aprov (setor da prefeitura responsável por liberar imóveis), Hussain Aref Saab.
O defensor disse que o vereador irá apresentar todas as provas de sua "lisura" como "membro da Câmara, como empresário, como desportista, como marido e como pai".
Azevedo também disse que na CPI do IPTU, em 2009, Miguel não era o relator e, assim, não cabia a ele fazer o relatório final. O relator era Antonio Donato (PT), atual secretário de Governo do prefeito Fernando Haddad (PT).
Segundo o Ministério Público, Miguel teria omitido as irregularidades de shoppings dos quais havia recebido o pagamento de propina.
Opinião: "Chave de braço"
(Rogério Gentile) - Fernando Haddad mal assumiu a Prefeitura de São Paulo e já enfrenta um delicado problema na Câmara Municipal que pode tumultuar o início do seu mandato. O problema tem mais de 100 kg, é forte como um touro e não gosta de perder. Seu nome é Aurélio Fernandez Miguel.
Aurélio Miguel tornou-se conhecido em 1988, quando ganhou a única medalha de ouro do Brasil na Olimpíada de Seul. Com os braços erguidos, joelhos no tatame e sorriso contagiante, o judoca virou herói nacional. Retornou ao país um dia antes de Ulysses Guimarães promulgar a Constituição e fez questão de relacionar as coisas, quem sabe já pensando no futuro. Discurso ensaiado, afirmou que a medalha de ouro era a sua "contribuição à soberania do povo brasileiro".
Nos anos seguintes, acusou um dirigente de surrupiar dólares de atletas, reclamou da seriedade dos políticos e correu ao lado de Collor no famoso dia do verde e amarelo, quando o então presidente convocou a população a apoiá-lo nas ruas vestindo as cores da bandeira, mas os manifestantes pelo país preferiram o preto do impeachment.
O judoca acabou na política, elegendo-se vereador em São Paulo pelas mãos de Valdemar Costa Neto, aquele mesmo condenado no julgamento do mensalão.
Em seu terceiro mandato na Câmara, Miguel teve seu sigilo bancário quebrado pela Justiça. É suspeito de ter recebido mais de R$ 1,1 milhão para não revelar irregularidades encontradas em shoppings por uma CPI que ele presidiu. O vereador nega.
Miguel pode tumultuar a vida do prefeito na Câmara justamente porque quer a sua ajuda para evitar a abertura de um processo de cassação contra ele. Seu argumento, em tom de ameaça, é um só: diz que não comandou sozinho a CPI. O relator da investigação foi o vereador Antonio Donato (PT), hoje secretário de Governo de Haddad. O prefeito vai sucumbir à chave de braço do judoca?