(Publicado na Folha de S. Paulo desta sexta-feira, 15/2/2013)
O CUSTO DA PRECARIZAÇÃO
É imprescindível estender a inspeção aos veículos emplacados em outras cidades, mas que circulam o ano todo em São Paulo
As promessas para a inspeção veicular devem sair caras para São Paulo. Não só por prejudicar o Orçamento da cidade -deficitário, congelado e comprometido com contratos que demandam revisão-, mas por acarretar custos para a saúde pública e ainda significar um retrocesso na política pública de mobilidade urbana.
O novo prefeito já se deu conta que só pode pagar R$ 70 milhões por um serviço que arrecada mais de R$ 200 milhões por ano. Da campanha eleitoral para cá, a promessa de isenção foi substituída pela de reembolso no caso de aprovação. Uma segunda fase do projeto indica que a inspeção passaria a ser bianual e estariam dispensados dela os carros com até quatro anos de fabricação. Sem qualquer parecer técnico, as decisões apontam para a precarização do serviço.
Conforme o Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, pelo menos 4.000 paulistanos morrem todos os anos por problemas cardiorrespiratórios decorrentes da poluição do ar. Ao respirarmos em média 10 microgramas por metro cúbico de material particulado fino em um ano, nossa expectativa de vida é reduzida em 18 meses. Quem fica parado no trânsito tem 2,6 mais chances de sofrer um infarto. Quem trabalha no trânsito, como guardas e taxistas, vai viver três ou quatro anos a menos. Se a inspeção é precarizada, o mais alto preço sobra para a saúde pública.
Segundo a Controlar, empresa responsável pela inspeção, as principais reclamações que chegam sobre o serviço se devem às reprovações e não à taxa anual de R$ 47,44. Mesmo assim, "pega bem" dizer que vai trazer economia ao bolso dos motoristas. É preciso lembrar que quando a prefeitura isenta os 30% da população que anda de carro, todos os cidadãos passam a pagar esse custo, por meio dos impostos.
Numa cidade onde circulam mais de 5 milhões de carros todos os dias, não tem cabimento dar mais esse incentivo ao transporte individual. Em vez disso, deveríamos obedecer à Lei Municipal de Mudanças Climáticas (14933/2009), que institui o princípio do poluidor-pagador: quem anda de carro é responsável por 72% da emissão de um gás letal na cidade, o monóxido de carbono. E, justamente por isso, deve, sim, arcar com esse ônus.
É possível, por exemplo, flexibilizarmos o pagamento da taxa de inspeção conforme o nível de poluentes emitidos pelo veículo. A arrecadação total deve ser usada no cumprimento de uma promessa muito mais racional e absolutamente necessária: a de fazer 150 km de corredores de ônibus na cidade.
Enquanto os outros municípios da região metropolitana não aderem à política, é imprescindível estender a inspeção aos veículos emplacados em outras cidades, mas que circulam durante todo o ano em São Paulo. A própria Controlar, que opera 30% abaixo da sua capacidade máxima, sugere que isso seja feito através dos radares inteligentes das principais vias.
Outro ponto importante a ser revisto: o contrato com a Controlar, que já foi alvo de investigação do Ministério Público por ter sido "ressuscitado" dois anos depois do vencimento sem passar por licitação. Além disso, é preciso capacitar a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização da Inspeção. O órgão municipal deveria "controlar a Controlar", mas hoje trabalha refém das informações publicadas pela própria empresa.
Enquanto o transporte público não predomina, não podemos nos isentar de um controle que, muito ao contrário do individualismo do carro, atende a uma aspiração coletiva: ar de qualidade.
RICARDO YOUNG, 56, empresário, é vereador de São Paulo pelo PPS. Foi presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social