Nos dias que correm, não é comum ver um petista contrariado. Estão em geral muito satisfeitos. Exibem um pragmatismo confiante e despido de autocríticas, um ar triunfalista como nunca antes neste país. Costumam tratar adversários como inimigos do Brasil. São os efeitos da popularidade de Lula, agravados, no caso, pela velha convicção da esquerda de que tem a chave da história.
Chama ainda mais atenção, por isso, o tom de desconforto e desabafo da entrevista que o deputado José Eduardo Cardozo concedeu ontem ao jornal "Valor Econômico".
Ele diz que não vai concorrer à reeleição na Câmara porque "perdeu a paciência": "As coisas não só não se alteram como se agravam. (...) O que determina a vitória? Em larga medida é o dinheiro. Na disputa passada, minha campanha custou R$ 1,5 milhão. É um absurdo. Não tive problema com a Justiça, mas acho que foi até por acaso".
Mais adiante, Zé Eduardo diz que filhos de parlamentares costumam esconder tal fato de colegas para não ouvir na escola: "Seu pai é ladrão". E acrescenta: "Você vai a um jogo de futebol e pessoas ficam gritando mensalão, mensalão!".
A conclusão a que ele chega: "Sairão aqueles que querem ter ética na política e não sabem mais como operar". Operar?
Zé Eduardo também parece não saber como "operar" seus paradoxos. Resvala para uma franqueza incomum quando diz que "as relações com os doadores são muito problemáticas".
Mas recua quando sugere que os políticos são reféns e vítimas de um sistema perverso, ao mesmo tempo em que se esmera na defesa dos companheiros João Vaccari e José Dirceu.
Zé Eduardo é um feixe de contradições. Abandona a disputa eleitoral contaminada, mas permanece à frente do segundo cargo na hierarquia do PT. Repele as atuais regras do jogo, mas dobra a aposta no partido. O mesmo partido que "democratizou" o vale-tudo no poder.
(Artigo de Fernando de Barros e Silva, publicado na Folha de S. Paulo de hoje)