Márcio França
No filme de 1994, pelo qual Tom Hanks ganhou o Oscar, nos emocionamos com a boa intenção de um jovem limitado e esforçado, que fazia tudo sem se planejar para a tarefa que iria cumprir. Apenas fazia.
Ele nem sabia ao certo porque estava ali. Só sabia que tinha de ser sincero. Participou, por acaso, dos episódios importantes da história dos EUA dos últimos 40 anos. Do Vietnã ao escândalo de Watergate.
Mas foi como capitão de um barco pesqueiro de camarões, que tinha tudo para ser um fiasco, que a “sorte” lhe soprou. Uma tempestade destrói os barcos grandes, seus concorrentes. Apenas seu barquinho fica intacto. Pesca sozinho, enche-se de camarões e faz sucesso com seu negócio.
Forrest, após realizar o que nunca imaginou, decide, também sem razão, correr pelo país. Não sabe para onde, nem o porquê. Só corre.
A multidão o segue. Indagados à razão, os seguidores afirmam: “Sigo o Forrest porque me inspira”. “Sigo porque é um protesto contra os poderosos” ou “porque busco Deus e ele vai nos conduzir”. Cada um o seguia por aquilo que achava importante. Faltava alguém que inspirasse a corrida. E corresse, liderasse. A ingenuidade tosca da missão, e sua determinação sem objetivo lógico, contaminou uma multidão e ele marcou uma geração.
Alguns traços do filme têm semelhança com nossa realidade.
Mas nosso capitão simplório não quis até aqui ensinar correndo, inspirando, agregando. Insistiu em conduzir brigando e polemizando. Guerreando com muitos, inclusive os seus. Perdeu tempo com polêmicas desnecessárias.
Apostou todos os ovos em uma só cesta. Já sabíamos o que iria acontecer! E a vida segue. Cada lado continuará com seu discurso. “Não deu certo porque não conseguimos tudo”. “Não deu tão errado, porque não aprovamos tudo”.
E quem correrá para o lado que une a todos? Quem inspirará a união, o bom senso? Nem a seleção brasileira, que antes conseguia. Ele já tem o que precisa para dar o seu melhor: sua coragem, superação. Mesmo suas limitações, por vezes confusas, quase insanas, não foram seu obstáculo, na sua carreira tumultuada. Ao contrário.
Desde que ganhou a corrida, por direito e obrigação, deve conduzir a todos nós. Tanto os que o idolatram como os que não lhe são simpáticos, entre os quais me incluo, com franqueza bolsonariana.
Brasil acima de tudo, Deus acima de todos! A frase já dá pistas. Servidor do Estado, e dele dependente economicamente, não tem conceitos liberais clássicos. Defende, sem convicção, o estado frágil. Quanto ao “conservadorismo”, deriva muito mais de uma agenda de religião/costumes. Mas os sucessivos casamentos também mostram que é “adaptável”, no mínimo.
Mesmo assim, como o ingênuo Forrest, poderia e deveria olhar para frente, conduzir, liderar, unir. Tratar com generosidade as discordâncias. Dar por encerrada as eleições. Aproveite a oportunidade que o destino lhe trouxe. Quem sabe um dia, possa, feliz, sentar-se no banco de uma praça e contar a incrível e improvável história de sua vida, de brigas e intransigências, superações e vitórias, que, ao final, lhe ensinaram a mudar seu comportamento, sem mudar sua alma, e ajudar o seu país. Corra, capitão!
Márcio França
Advogado, presidente do PSB-SP e ex-governador de São Paulo (2018)