Vivemos em uma cidade praticamente ingovernável. É interessante notar como os problemas metropolitanos se repetem e se agravam com os anos. Entra prefeito, sai prefeito, mudam os vereadores, trocam secretários e subprefeitos, e os transtornos paulistanos se avolumam à espera de soluções do poder público.
Como curiosidade, repetimos de tempos em tempos um texto publicado originalmente há 15 anos, em janeiro de 2004, reproduzido em vários jornais (entre eles os já extintos e de saudosa memória Jornal da Tarde e Diário de S. Paulo) por ocasião dos 450 anos da cidade. Atualizando-se apenas a data do aniversário e o nome do prefeito do momento, permanece sempre tristemente atual. Veja:
450 ANOS. E DEPOIS?
A cidade de São Paulo, escondida sob um falso espetáculo de progresso e gigantismo, é na verdade uma metrópole desgovernada, mal planejada, centro principal da fragilidade administrativa, social, econômica e da degradação urbana, moral e política.
Rios mortos, poluição incontrolável, trânsito caótico, pedintes e desempregados por todos os pontos, favelas que proliferam diante da cegueira governamental, hospitais sucateados, escolas deterioradas, insegurança crônica. São Paulo é uma cidade em que mais de 10 milhões de pessoas se aglomeram em atividade frenética, fundamentalmente individualista e predatória.
Prefeitos se sucedem no poder, sob a promessa de construir uma sociedade mais moderna e mais humana, da qual os paulistanos possam com justo motivo se orgulhar. Pois não se deve duvidar do potencial e da inesgotável energia de nossa população, consagrada na imagem da "cidade que amanhece trabalhando".
Afinal, que outro centro urbano do país reúne tantas condições para consolidar a ponte para o futuro, se não a cidade que é a capital financeira nacional, que detém as maiores e melhores universidades, a excelência na medicina e no setor de pesquisa científica?
Apesar desse potencial, São Paulo completa seus 450 anos marcada pela crise que praticamente sufoca qualquer esperança de dias melhores. Seria ilusório acreditar que este cenário catastrófico tenha sido causado simplesmente pela atual crise econômica, ou mesmo pela herança nefasta de gestões mafiosas.
A verdade é que São Paulo não encontrou ainda a sua identidade, porque não tem um projeto para si mesma. Diante da inoperância governamental e da apatia da sociedade, nossos defeitos chamam mais a atenção do que nossas qualidades.
São Paulo não tem rosto nem personalidade, é um amontoado de retalhos, embora o marketing, a publicidade e a cosmetologia de Marta Suplicy se esforcem para provar o contrário. A cidade sempre esteve – e permanece – nas mãos de aventureiros que seguem destruindo e descaracterizando ruas, prédios, bairros e praças, descartando e ocultando monumentos e marcos de referência histórica, cultural e geográfica.
O que São Paulo tem a oferecer hoje, ao contrário de outras metrópoles mais desenvolvidas, ou mesmo de outras cidades com apelo turístico, é a antipaisagem. Uma cidade constantemente em obras que somam quase nada ao desenvolvimento e à melhora da nossa qualidade de vida.
Particularmente nas gestões de Paulo Maluf e de Celso Pitta, ficamos reféns de um bando de vereadores corruptos, despreparados e incompetentes. Assistimos impassíveis o crescimento monstruoso da dívida pública para ajudar a manter o poder nas mãos do crime (des)organizado, que loteou a cidade e enlameou a política municipal. O mais trágico é que o PT foi eleito exatamente com a bandeira da mudança, mas não bastaram seus candidatos-milagreiros com promessas eleitoreiras para fazer, em quatro anos, São Paulo despertar para a necessidade vital de uma verdadeira transformação.
O que precisamos, depois de encerradas as inúmeras festividades pelo aniversário de São Paulo, é conscientizar e mobilizar os paulistanos para a criação e a manutenção de um ambiente social saudável, com planejamento, organização comunitária, responsabilidade eleitoral e a diminuição de privilégios.
Entendemos que o nosso papel, a partir de agora, deveria ser justamente o de chamar as lideranças sociais e políticas para o debate programático e para a construção de uma cidade mais humana, justa, ética e solidária. Uma cidade com políticas públicas e parcerias sociais que possibilitem mais rapidamente a inserção dos excluídos, a radicalização da democracia, a plena transparência dos poderes e a construção mais sólida e eficaz das bases da cidadania.
Mas, sobretudo, com ética, moral, sensatez e com o desafio de construirmos uma cidade “nova” em seus 450 anos, que respeite a sua história e a sua vocação, fortaleça democraticamente as suas estruturas e apresente um programa viável para conquistarmos mais dignidade, igualdade e justiça social. Enfim, que nos dê motivos reais e legítimos para festejar.
Maurício Huertas é secretário de Comunicação do PPS/SP e coordenador da ONG Vergonha Nunca Mais!, pela ética na política. (25 de janeiro de 2004)
Maurício Huertas
A cidade de São Paulo, escondida sob um falso espetáculo de progresso e gigantismo, é na verdade uma metrópole desgovernada, mal planejada, centro principal da fragilidade administrativa, social, econômica e da degradação urbana, moral e política.
Rios mortos, poluição incontrolável, trânsito caótico, pedintes e desempregados por todos os pontos, favelas que proliferam diante da cegueira governamental, hospitais sucateados, escolas deterioradas, insegurança crônica. São Paulo é uma cidade em que mais de 10 milhões de pessoas se aglomeram em atividade frenética, fundamentalmente individualista e predatória.
Prefeitos se sucedem no poder, sob a promessa de construir uma sociedade mais moderna e mais humana, da qual os paulistanos possam com justo motivo se orgulhar. Pois não se deve duvidar do potencial e da inesgotável energia de nossa população, consagrada na imagem da "cidade que amanhece trabalhando".
Afinal, que outro centro urbano do país reúne tantas condições para consolidar a ponte para o futuro, se não a cidade que é a capital financeira nacional, que detém as maiores e melhores universidades, a excelência na medicina e no setor de pesquisa científica?
Apesar desse potencial, São Paulo completa seus 450 anos marcada pela crise que praticamente sufoca qualquer esperança de dias melhores. Seria ilusório acreditar que este cenário catastrófico tenha sido causado simplesmente pela atual crise econômica, ou mesmo pela herança nefasta de gestões mafiosas.
A verdade é que São Paulo não encontrou ainda a sua identidade, porque não tem um projeto para si mesma. Diante da inoperância governamental e da apatia da sociedade, nossos defeitos chamam mais a atenção do que nossas qualidades.
São Paulo não tem rosto nem personalidade, é um amontoado de retalhos, embora o marketing, a publicidade e a cosmetologia de Marta Suplicy se esforcem para provar o contrário. A cidade sempre esteve – e permanece – nas mãos de aventureiros que seguem destruindo e descaracterizando ruas, prédios, bairros e praças, descartando e ocultando monumentos e marcos de referência histórica, cultural e geográfica.
O que São Paulo tem a oferecer hoje, ao contrário de outras metrópoles mais desenvolvidas, ou mesmo de outras cidades com apelo turístico, é a antipaisagem. Uma cidade constantemente em obras que somam quase nada ao desenvolvimento e à melhora da nossa qualidade de vida.
Particularmente nas gestões de Paulo Maluf e de Celso Pitta, ficamos reféns de um bando de vereadores corruptos, despreparados e incompetentes. Assistimos impassíveis o crescimento monstruoso da dívida pública para ajudar a manter o poder nas mãos do crime (des)organizado, que loteou a cidade e enlameou a política municipal. O mais trágico é que o PT foi eleito exatamente com a bandeira da mudança, mas não bastaram seus candidatos-milagreiros com promessas eleitoreiras para fazer, em quatro anos, São Paulo despertar para a necessidade vital de uma verdadeira transformação.
O que precisamos, depois de encerradas as inúmeras festividades pelo aniversário de São Paulo, é conscientizar e mobilizar os paulistanos para a criação e a manutenção de um ambiente social saudável, com planejamento, organização comunitária, responsabilidade eleitoral e a diminuição de privilégios.
Entendemos que o nosso papel, a partir de agora, deveria ser justamente o de chamar as lideranças sociais e políticas para o debate programático e para a construção de uma cidade mais humana, justa, ética e solidária. Uma cidade com políticas públicas e parcerias sociais que possibilitem mais rapidamente a inserção dos excluídos, a radicalização da democracia, a plena transparência dos poderes e a construção mais sólida e eficaz das bases da cidadania.
Mas, sobretudo, com ética, moral, sensatez e com o desafio de construirmos uma cidade “nova” em seus 450 anos, que respeite a sua história e a sua vocação, fortaleça democraticamente as suas estruturas e apresente um programa viável para conquistarmos mais dignidade, igualdade e justiça social. Enfim, que nos dê motivos reais e legítimos para festejar.
Maurício Huertas é secretário de Comunicação do PPS/SP e coordenador da ONG Vergonha Nunca Mais!, pela ética na política. (25 de janeiro de 2004)
* O título desse post faz referência à música icônica do grupo paulistano Ira!