terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Renato Janine Ribeiro: Uma autocrítica de esquerda

Relutei em escrever a respeito, porque votei em Haddad várias vezes e o apoiei claramente. Mas de sua foto de camisa rosa lendo Anisio Teixeira, não gostei. Como não gostei nada daquela imagem, em tempos de campanha, em que ele aparecia arrancando a máscara do Lula para mostrar seu rosto. Daquela vez, pensei que a imagem o diminuía, o colocava como um ersatz do Lula, não como ele próprio. Até disse, na época: ele ganha se for ele. Se ficar se curvando às regras do partido para ser isso, para não dizer aquilo, não dá. Não sei se ganharia sendo ele mesmo, mas o saldo teria sido melhor.

Voltando: dois meses depois da eleição, dez dias depois da posse do pior governo do Brasil, era hora do candidato mais votado da oposição estar criando alianças. De ir além dos 28 milhões de votos que teve no primeiro turno. Eu não critiquei Marina Silva porque ela, duas vezes sucessivas, não foi fidelizar o número surpreendente de eleitores que confiaram nela para a presidência da República? Por que eu trataria meu candidato de forma diferente? 

Esperava que as lideranças do PT estivessem agora – na verdade, desde o fim do segundo turno – visitando quem apoiou Haddad (Marina, Joaquim Barbosa, Ciro Gomes, tantos outros) e quem ele gostaria que o apoiasse (a começar por FHC). Em vez disso, vejo uma foto dele zoando a ministra Damares. Gente, é pouco.

Lacrar não adianta, tenho insistido. Vejo o lacre na ministra Damares. Vejo o pessoal de esquerda zoando por que o motorista de um Bolsonaro está sendo atendido no Einstein. Só isso, galera? Não têm algo melhor a fazer?

Esse governo tem feito muita besteira e não acredito que o núcleo de extrema-direita continue forte por muito tempo. Penso que a direita autoritária mas sensata vai passar a perna na extrema-direita pirada. Mas vamos ficar esperando isso acontecer? Torcendo? Esperando que o mercado faça isso por nós? 

Os grandes partidos de esquerda têm uma espécie de sístole e diástole, uma alternância entre uma estratégia de abertura para alianças mais amplas e outra de fechamento sobre si. A abertura aparece nas propostas de Frente Popular, no governo Lula e em outros momentos que, geralmente, são de vitória. O fechamento é quando, ameaçado ou sentindo-se ameaçado, o grande partido de esquerda se tranca na ortodoxia. Pois bem, o PT perdeu, é bom saber. Perdeu com 45 milhões de votos, o que é bastante voto, mas muitos deles não eram de petistas ou pelo menos, não de petistas extremistas. E agora, em vez de assegurar a união desses 45 milhões, e de aproveitar o que o governo tem feito para aumentar este número, o que vejo nas lideranças é o trabalho intenso, empenhado, em reduzir esse número! Em perder apoios!

E aposto: vai haver gente comentando que Ciro não é confiável, que Marina nem pensar, que isso mas aquilo... Eu não sou fã da derrota. Não acho que é mais bonito ser pouco. Porque com a extrema-direita no poder nós de classe media podemos até não sofrer tanto, mas os pobres vão penar bastante. Por isso não gozo com a derrota. E penso que está na hora de reunir. Se a frase “ninguém larga a mão de ninguém” tem sentido, é esse. Uniao. É claro que é difícil saber em torno do quê, mas pelo menos podemos começar dizendo que não estamos aqui para zoar, nem para lacrar, nem para excomungar, e sim para procurar uma aliança dos setores democráticos e progressistas. Se pelo menos tivermos esse propósito, podemos depois fazer um programa. Ufa.

Parte 2 - E ontem, depois que escrevi sobre a necessidade de que a esquerda saísse da lacração e dos memes e ampliasse sua base, com projetos novos, um amigo querido me ligou e disse:

- Não são os partidos nem o governo que fará isso.

Penso que ele tem razão. Penso que devemos pensar em iniciativas que vão além dos partidos. Podem ser entidades respeitadas, existentes, exigentes. Pode ser sindicato, associação profissional, OAB, ONGs, o que for, mas precisamos ter propostas que inovem e ampliem.

Já cansou isso de ver gente se acusando por causa da derrota (foi o Ciro! foi o Haddad!). Vamos para a frente. Vamos entender por que perdemos. Não adianta ficar só denunciando as fraudes, empulhações etc.

O que precisamos é desenvolver ideias, projetos, tudo o mais.

Na educação, por exemplo, vejo o entusiasmo dos jovens - alguns dos quais se elegeram deputados - por fazer coisa nova. Esses jovens não estão apenas lamentando ou denunciando. Estão fazendo.
E isso vale para muita coisa que rola nas áreas que promovem a inclusão social.

Se os partidos e seus fãs querem ficar discutindo nomes, façam isso. Penso que precisamos sair daí. Precisamos ver do que o Brasil precisa. Ter ideias. Pegar projetos bons, dá-los a conhecer. Enfim, muita coisa a fazer.

Renato Janine Ribeiro é professor de filosofia da USP, cientista político e escritor. Foi ministro da Educação no governo da presidente Dilma Rousseff, entre abril e setembro de 2015.