Triste dialética
A cerimônia de posse do novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do PC do B, deu um novo sentido ao termo "dialética". A julgar pelo tom dos discursos, o afastamento do antigo titular da pasta por suspeitas de corrupção já traz em si sua própria negação, que assume a forma de desagravos e elogios ao ex-ministro e sua sigla.
Se tudo não passou de uma intriga contra Orlando Silva, como sugeriram vários oradores no ato realizado anteontem, a presidente Dilma Rousseff não deveria tê-lo afastado nem dado posse a Rebelo.
Tampouco precisaria suspender os repasses de verba a 2.670 convênios do governo com ONGs -isto é, todas menos as que atuem na saúde, na proteção a testemunhas ou que operem há mais de cinco anos sem irregularidades.
Se a mandatária o fez, é razoável supor que as suspeitas tenham pelo menos alguma base real.
Sendo assim, a manutenção do PC do B à frente da pasta resulta numa "aufhebung" (síntese, superação) inquietante, pois a agremiação vê-se liberada a prosseguir com o aparelhamento do ministério -agora sob "nova" gerência.
Como disse a presidente, "perco um colaborador, mas preservo o apoio de um partido cuja presença no meu governo considero fundamental". Estamos, portanto, ao que tudo indica, diante de uma daquelas mudanças providenciadas para nada mudar.
"Fundamental" para o governo, o PC do B segue em sua saga de equívocos históricos. O partido, como se sabe, foi incapaz de romper com o stalinismo mesmo quando se demonstraram os crimes do ditador, em 1956. Seis anos depois, abraçou um segundo tirano, Mao Tsé-tung, quando este passou a atacar a desestalinização em curso na União Soviética.
Foi sob essa dupla inspiração, acrescida de delírios revolucionários, que o partido se embrenhou na aventura guerrilheira do Araguaia. Quando a China, enfim, começou a livrar-se do fardo maoísta, a partir de 1976, os comunistas do Brasil, preservando o culto a ditadores, esqueceram Pequim para cair nos braços de Enver Hoxha, líder stalinista da Albânia.
Com o fim de Hoxha e do comunismo no mundo real, o PC do B passou a viver de uma aliança predatória com o PT e da ocupação de entidades, como o Ministério do Esporte ou a UNE (União Nacional dos Estudantes), com sua máquina de carteirinhas.
Ou seja, num passo dialético final, trocou Stálin e o que restava de ideologia por migalhas de poder e um punhado de cargos e benesses.
(Editorial da Folha de S. Paulo de 2 de novembro de 2011)
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