segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Alguém gritou #ForaTemer lá na Prefeitura?

A jornalista Sonia Racy traz no Estadão de hoje uma longa entrevista com Luciana Temer (foto), secretária de Assistência e Desenvolvimento Social que vai deixar o cargo ao fim da gestão do prefeito Haddad. Com todo o respeito à figura, mas a sua atuação é tão inexpressiva que nem mesmo o fato de ser filha do presidente Michel Temer causou maiores discussões, nem mesmo nos momentos de maior polarização dos debates pró e contra o impeachment da presidente Dilma.

Se não fosse pelo noticiário sobre o descumprimento das promessas de Haddad com relação às vagas em creches, a quantidade crescente e inaceitável de moradores de rua em situação de total e mais completo abandono, a ineficiência dos programas de prevenção e tratamento aos usuários de drogas (vide o caso da Cracolândia com o Programa Braços Abertos) e um sem-número de fatos negativos da gestão, nem lembraríamos da sua existência.

Segue a íntegra da entrevista:

Pronta para assumir o Instituto Liberta, que vai combater a exploração sexual de crianças,
a secretária de Haddad compara os programas para população de rua do prefeito e de Doria e fala da relação com seu pai.

Ela é formada em Direito pela PUC de São Paulo e tem doutorado em Direito Constitucional na mesma faculdade, onde é professora. Mas para muitos à sua volta ela é “a filha do Temer” – rótulo que a incomoda. Luciana de Toledo Temer Lulia, 47 anos, é a mais velha dos cinco filhos do presidente. Divorciada, mãe de dois filhos, dedicou-se à vida acadêmica e à gestão pública, onde chegou pelas mãos do amigo Gabriel Chalita – mas prefere definir essas passagens pela política como “inserções”.

Agora, ao deixar a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura, na virada do ano, ela tem pela frente um desafio bem diferente, na iniciativa privada. Vai coordenar o Instituto Liberta, a ser lançado ainda este ano pelo empresário Elie Horn, para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes. Horn, um sírio nascido em Aleppo, é dono da incorporadora Cyrella e o primeiro brasileiro a entrar no programa The Giving Pledge, criado em 2010 pela dupla de bilionários Bill Gates e Warren Buffet. Dono de uma fortuna em torno de US$ 1,5 bilhão, decidiu doar 60% dela para causas sociais.

Normalmente avessa a entrevistas, a filha do presidente recebeu na semana passada a repórter Julianna Granjeia – e além da relação especial com o pai, da atuação em uma gestão petista e da importante experiência com populações de rua no programa De Braços Abertos, falou também da nova fase que tem pela frente. Sua primeira ideia no Liberta será “trabalhar de forma articulada com organizações dedicadas à mesma causa”, o que inclui o Ministério da Justiça e a Unicef. Primeira tarefa? “Vamos montar uma grande campanha de conscientização, que deve ter início em breve”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Você está trocando a gestão pública pela iniciativa privada. Como vai ser seu novo trabalho?
Recebi um convite interessante do doutor Elie Horn (proprietário da incorporadora Cyrela) para dirigir um instituto, o Liberta, que vai fazer o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no País. Nossa ideia é trabalhar de forma articulada com organizações que já fazem isso, como a Childhood, a Abrinq, o próprio Ministério da Justiça, a Unicef. É também uma possibilidade de investimento grande, buscando melhores resultados. E vamos começar esse processo com uma grande campanha de conscientização, que deve ter início em breve.

Como foi sua entrada na gestão pública?
Eu assumi a Secretaria de Juventude, Esporte e Lazer do governo Alckmin em 2002. Cheguei lá, como secretária adjunta, a convite do Gabriel Chalita. Logo em seguida ele foi para a Educação e eu o sucedi, a convite do governador. Depois, fiquei três anos coordenando pareceres jurídicos no Cepam. Na verdade, sempre trabalhei ligada à área acadêmica, eu tive inserções na gestão pública.

Você tem uma formação em Direito Constitucional. Foi influência do seu pai?

Não dá pra dizer que não teve, mas a maior influência foi de uma professora maravilhosa da PUC, a Leda Pereira da Mota. Ela formou uma geração de constitucionalistas. Depois, passei em um concurso e fui delegada por cinco anos em Osasco, na Delegacia de Defesa da Mulher. Uma experiência rica, com questões sociais sérias a serem enfrentadas. Acabei fazendo o mestrado sobre a questão da violência doméstica e a proteção constitucional da mulher.

Você foi parar na Assistência Social e sempre evitou entrevistas. Havia algum tipo de constrangimento?

Eu adoro holofotes, mas para o meu trabalho. Tudo o que desenvolvemos na Assistência Social – e não foi pouco, avançamos muito e de forma muito inovadora –, eu adoro que tenha todo o holofote do mundo. A questão é que, hoje, sendo doutora em Direito Constitucional e fazendo a trajetória profissional que faço, às vezes eu me canso um pouco de ser referenciada à figura do meu pai. Tenho orgulho de ser filha dele, assim como da minha mãe, que é uma pessoa maravilhosa. Agora, com 50 anos você viver referenciada… Eu quero luz sobre o meu trabalho, não sobre mim.

Qual o balanço que faz da sua gestão na Assistência Social?
A assistência social surgiu como política pública na Constituição de 88 – antes era mera caridade. Então, o primeiro desafio é consolidá-la como política pública. Acho que caminhamos nesta gestão buscando soluções novas para problemas tradicionais. Por exemplo: em relação à população em situação de rua, nós construímos 2.000 vagas a mais de acolhimento, mas o foco era a diversidade. Assim, construímos acolhimentos para as famílias, para a população travesti/transexual, para imigrantes e para adultos com deficiências mentais. Da mesma forma, não tinha nenhuma vaga no Centro Dia e nós vamos entregar 16 locais onde as famílias podem deixar seus idosos dependentes durante o dia. É pouco, ter 380 vagas? É pouco. Mas antes não tinha nenhuma.

O De Braços Abertos é uma das vitrines da gestão Haddad, bem avaliado internacionalmente, mas enfrenta resistências. Como lida com isso?
O De Braços Abertos é um programa revolucionário, do ponto de vista do poder público. ONGs do mundo inteiro vêm trabalhando, há muito, com o processo de redução de danos no enfrentamento ao uso abusivo de drogas. E com uma lógica não repressiva, mas acolhedora. A ideia foi convidar as pessoas a uma nova vida – foi a oferta que fizemos nas primeiras conversas com eles.

De que forma reagiam?

Para começar, foram eles que pediram moradia na própria região, porque não sairiam dali. Agora, já temos outros hotéis longe da região da Luz, eles já aceitam. Acabei de voltar do Encontro Latino-Americano de Políticas sobre Drogas, ao qual fui a convite da Open Society Foundation. Essa entidade financiou uma pesquisa que mostra o avanço dessas pessoas na vida pessoal. Então, todo mundo parou de usar droga? Não é verdade. Tem gente que parou, que ainda não parou, mas todos administram melhor a sua vida.

Melhor, como?
Todos estão conseguindo trabalhar, fazer outras atividades – gente que passava o dia inteiro jogado na rua completamente dopado. E por que isso é melhor que a internação? Veja, o prefeito Haddad também não se opõe à questão da internação. Aliás, sempre defendemos que era preciso ofertar várias opções para a pessoa escolher. Quem quer ser internado deve ser internado, deve ter essa opção também. Não adianta eu tirar a pessoa daqui, levá-la seis meses para a desintoxicação, e quando ela volta, volta pra onde? Para o lugar que ela conhece. Eu diria que 70% das pessoas que estão na Luz já passaram por processos longos de desintoxicação e voltaram.

E como lidar com as diferenças de cada um nessa situação?
Você não pode querer tratar da mesma forma um menino ou menina de classe média que se envolve com a questão da droga e uma pessoa socialmente muito vulnerável. Uma pesquisa da Fiocruz indica que a maioria dos usuários de crack, hoje, já vêm de uma posição socialmente muito vulnerável. O menino de família classe média, média alta, mas bem estruturada, você vai lá, desintoxica e quando ele volta há todo um processo de acolhimento pra ele superar a questão. Mas estamos falando de gente que não tem esse respaldo. E essas pessoas fazem isso paulatinamente, vão construindo o tempo do tratamento dela.

O prefeito eleito, João Doria, quer adotar o Programa Recomeço, do governo estadual. Qual é a sua avaliação desse programa?
Como já disse antes, a gente defende que haja muitas opções. Não tenho nenhuma restrição ao Recomeço, que é mais focado na questão da internação e da abstinência. Acho que são programas complementares. Se você me perguntar em qual acredito mais, não tenho dúvida: é no De Braços Abertos, pelas razões que já expus. Mas não sou contra o Recomeço. Não sei exatamente como o novo prefeito vai trabalhar a questão, mas me parece que ele pretende manter alguns princípios do programa atual, ainda que inserindo no Recomeço. Que dizer, continuaria mantendo trabalho, alimentação e a moradia. Eu acho que o importante não é a marca, são os princípios do programa. Se ele mantiver os princípios, pode dar o nome que quiser.

A sua condição de filha do presidente teve algum peso, lá atrás, no convite feito por Chalita pra que você fosse para a secretaria do governo Alckmin?
Meu pai ficou sabendo depois que assumi. Aceitei sem conversar com ele.

E como foi o convite pra entrar na gestão Haddad?
Partiu do Chalita, de novo. Eu participei muito da campanha dele à Prefeitura pelo PMDB, em 2012. Ele não passou ao segundo turno e decidiu apoiar o Haddad. Os dois se aproximaram muito. E uma das pastas que o Haddad queria dar ao PMDB era a Assistência Social. E aí o Chalita me indicou.

Como seu pai reagiu?

Ele preferia que eu não aceitasse.

Por quê?
Ele dizia: “Vão dizer que você assumiu só porque é minha filha”. Eu argumentei que ser filha dele é uma condição que eu vou ter por muito tempo, se Deus quiser. Então, terei de trabalhar com isso. No começo, as pessoas realmente poderão achar que estou assumindo porque sou sua filha, e vou ter que demonstrar minha competência. Nesses quatro anos, houve essa mudança. De “ela está lá porque ela é filha dele” para “está lá apesar de ser filha dele”.

E por que você se afastou da secretaria durante a campanha eleitoral?

Eu estava desconfortável com os ataques. Contrariamente ao que as pessoas pensam, eu tenho uma ótima relação com meu pai. Ele é uma pessoa democrática, nunca se importou de eu estar nessa gestão, que se opôs ao processo de impeachment de Dilma. É uma relação de respeito mútuo. Ele sabe que eu sou uma adulta e que sou gestora pública. Nossa conversa foi muito transparente no sentido de que eu estava realmente desconfortável na situação.

Ele chegou a lhe dar algum tipo de conselho?
Não, a decisão (de deixar a secretaria) partiu de mim. A gente conversa, mas não tem uma dinâmica preestabelecida. Levei a ele essa questão e ele disse que também ficaria mais confortável se eu ficasse afastada da Prefeitura nesse período. Tive também uma conversa com o prefeito, que estava sendo muito cobrado por eu fazer parte de sua equipe. Então, da mesma forma que nós avaliamos conjuntamente que mesmo depois do impeachment, eu poderia permanecer sem nenhum constrangimento na gestão, nem pro meu pai, nem pra mim, nem pro prefeito Fernando Haddad, nós avaliamos que naquele momento seria mais confortável pra nós que eu me afastasse por um período. Findo o período eleitoral, voltei para ajudar a fazer a transição.


Quando você se filiou ao PMDB? Foi seu primeiro partido?

Sim. Na verdade, eu me filiei ao PMDB no momento de assumir a gestão do prefeito Fernando Haddad, porque eu nunca fui filiada a partido político, eu nunca tive uma atividade político-partidária. Mas, avaliou-se à época, que seria interessante eu estar ligada ao PMDB para assumir a Assistência em São Paulo, e, por isso, eu me filiei. E, no momento em que a Marta saiu candidata a prefeita, havia uma incompatibilidade entre eu permanecer filiada ao PMDB e apoiar o prefeito para a reeleição. Então, me desfiliei.

Qual sua avaliação sobre o processo de impeachment? Você acha que foi golpe?

Eu sempre coloquei, de forma bem transparente, até em debates na PUC, que não acredito em nenhum momento que tenha havido golpe. Acho que o impeachment pode ser avaliado como bom ou ruim do ponto de vista político e aí, logicamente, há ideologias diversas. Agora, golpe não se pode dizer que foi, na medida em que há uma previsão constitucional. Aí é meu lado acadêmico que sustenta a tese de que temos uma Constituição – e ela diz que o vice assume em caso de impedimento. O Congresso Nacional, que é o órgão legítimo pra tomar essa decisão, tomou essa decisão. Eu acho que a avaliação que se pode fazer é se era bom ou se era ruim, se era bom para o Brasil ou ruim para o Brasil politicamente.

E qual a sua avaliação pessoal sobre isso?
Eu prefiro não falar sobre a minha avaliação pessoal sobre isso, até porque eu acho que o Brasil estava e está ainda num momento difícil, que tem que ser superado. Os caminhos para superação precisavam ser encontrados.

E sobre o governo Temer?
O meu pai é uma pessoa extremamente séria, competente, mas a grande qualidade dele é ser um grande articulador, coisa de que o Brasil precisa muito neste momento para retomar a normalidade institucional. E o meu pai é um republicano, lida muito bem com as instituições, tem um enorme respeito por elas. Acho que o Brasil passa por um momento difícil, mas ele está nas mãos de uma pessoa séria e um grande articulador.