sábado, 8 de fevereiro de 2014

Sétimo dia do "beijo gay". Sepultamos o preconceito?

Há exatamente uma semana, na exibição inédita (e histórica) de sexta-feira do último capítulo da  novela "Amor à Vida" e na reapresentação do sábado, o assunto mais celebrado nas redes sociais e na mídia tradicional foi o esperado "beijo gay".

Ouviram-se gritos e festejos incontidos, vazados pelas janelas e paredes conjugadas da tradicional família brasileira.

Aparentemente - e contrariando algumas previsões catastrofistas - todos sobrevivemos.

Mas, neste sétimo dia, será que purgamos verdadeiramente da nossa alma o preconceito e a homofobia? Ou sepultamos apenas mais um tabu da TV brasileira? Diga-se, aliás, não da TV como um todo, que já havia exibido outros beijos de casais homossexuais. E sim da toda-poderosa Rede Globo, campeã de audiência, referência de qualidade e formadora de opinião, em seu produto mais nobre: a "novela das nove" (antigamente era "das oito", mas mudam os costumes e tudo avança um pouco mais).

Do primeiro beijo na boca em uma telenovela, em "Sua vida me pertence", de 1951, entre Walter Forster e Vida Alves, ao primeiro beijo entre dois homens, protagonizado por Félix (Matheus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), o "ex-vilão" com a legítima "mocinha" da história, passaram-se longos 63 anos.

As novelas globais já exibiram - de forma mais explícita ou implícita - estupro, incesto, homicídio, suicídio, parricídio, infanticídio, fratricídio, sequestro, aborto, eutanásia, tortura, prostituição, guerra, adultério, masturbação, roubo, sevícia, escravidão, overdose, perjúrio, calúnia, adulação, complacência, maledicência, ironia, mentira, avidez, corrupção, inveja, cobiça, orgulho, ETs, fantasmas, lobisomens, vampiros.... ufa! Mas ainda faltava o "beijo gay".

Curioso que sempre existiram personagens gays nas novelas, séries, programas de humor e de auditório. É só puxar pela memória: sempre há uma bichinha caricata, ou um enrustido, um transformista, um transsexual, um casal discreto ou um artista descolado para preencher a cota politicamente correta.

O primeiro casal homossexual apresentado abertamente (pero no mucho) foi na novela “O Rebu” (1975): o personagem Cauê (Buza Ferraz) era um michê que mantinha uma relação afetivo-sexual com o banqueiro Conrad Mahler (Ziembinski).

Houve um primeiro "beijo gay" (que foi sem nunca ter sido) na novela“A Próxima Vítima”, em 1995: vetado pela Globo, aconteceria entre o casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jeff (Lui Mendes) que, além da questão homossexual envolvia também o preconceito racial. A história do casal fez grande sucesso e eles terminaram casados. Porém, as intimidades se resumiam a abraços e mãos dadas.

Dez anos depois, em “América” (2005), houve outro beijo censurado: agora entre os personagens Junior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro); Antes, em "Mulheres Apaixonadas" (2003) houve um beijo insinuado entre Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli).

Em “Duas Caras” (2008), havia Bernardinho (Thiago Mendonça), que protagonizou um triângulo amoroso e assumiu até uma dupla paternidade. Tudo sem beijo. Também em “Insensato Coração” (2011) havia pelo menos cinco personagens homossexuais. Todos, mesmo os casados, vivendo relações insinuadas.

A hipocrisia é realmente incrível: a TV já exibiu os crimes do código penal de A a Z, ensinou o descumprimento dos Dez Mandamentos de forma variada, escancarou o sangue, a morte, a miséria humana e todos os defeitos conhecidos do homem, da mulher e até de criaturas folclóricas e fictícias.

Na própria novela "Amor à Vida", tudo parecia dentro dos conformes: nem as escapadas do afetado Félix com o seu Anjinho, após encontros insuspeitos no shopping ou na academia, escondidos da mulher, apresentava algum potencial maior de chocar a sociedade que um beijo na boca. Interessante.

Enfim, o tão polêmico beijo aconteceu. O tabu da TV está morto e enterrado. Gays podem viver mais tranquilos na ficção. Na vida real... bom, aí já é outra história.

Daqui a alguns anos, talvez, todos poderão sair às ruas sem o risco de serem agredidos (verbal ou fisicamente), surrados e mortos.

É gratificante saber que o mundo não acabou com um beijo. Porém, nem o preconceito, infelizmente.

Sete dias depois, o assunto da novela já esfriou. Nas redes, prosseguem relatos diários de gays que continuam sofrendo. Hetero? Homo? Bi? Trans? Além dos rótulos, somos todos humanos, ou não? Que venham dias melhores...