quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Se o povo soubesse como nascem as leis ridículas

O título acima é de um artigo afiado e contundente do jornalista e escritor Leão Serva no portal Observador Político.

Coincidência nº 1: tratamos deste mesmíssimo assunto ontem pelo twitter, após mais uma esdrúxula "reunião de líderes" na Câmara Municipal paulistana, onde os vereadores discutiam "créditos" que possuíam numa tal cota de projetos que são aprovados às cegas.

Terminada a reunião, o primeiro discurso no plenário é emblemático: o vereador Agnaldo Timóteo (PP) solta os impropérios de costume, desta vez contra os apresentadores e repórteres do CQC, "tolinhos e idiotas", sob pretexto de defender quem?... Quem?... Jaqueline Roriz, a "dama da cassação". Ah, bom!

Coincidência nº 2: o autor cita positivamente Soninha Francine, de fato a única a se opor realmente a este "toma-lá, dá cá" enquanto vereadora. Motivo, aliás, pelo qual o PPS foi resgatá-la do PT. Motivo também para Soninha não querer mais voltar para a Câmara Municipal. Ponto negativo para o lado bom da cidade.

Vejamos as "tuitadas" do @23pps e o artigo de Leão Serva:

@23pps Que falta faz a imprensa cobrindo a Câmara @SoninhaFrancine

@23pps Quem pensa que no parlamento são aprovados os melhores projetos, após intenso debate, levando em conta o interesse da sociedade... #mentira

@23pps Reunião de líderes na Câmara de São Paulo é assim: passam uma hora discutindo "créditos" de projetos a serem aprovados, acumulados há anos.

@23pps A Câmara de São Paulo é mesmo um caso à parte. Os vereadores discutem "cotas" de projetos. Vota-se e aprova-se mediante acordo e não mérito.

@23pps Os vereadores não se preocupam com a qualidade, mas com a quantidade. Decidiu-se por acordo que todos tem que aprovar o mesmo nº de projetos

@23pps Câmara/SP: @monicaiozzi "tolinha e idiota" É o vereador @agnaldotimoteo em plenário defendendo Jaqueline Roriz e atacando o CQC @MarceloTas


@23pps Decência, competência e transparência não deveriam ser qualidades excepcionais, mas princípios essenciais na vida pública #novapolitica

Leão Serva: Se o povo soubesse como nascem as leis ridículas...

Você lê uma notícia de que a Câmara dos Vereadores de SP, terceiro parlamento mais importante do país, aprovou por unanimidade um projeto de lei ridículo, digamos assim, a criação do “Dia da Homofobia” ou do “Dia dos Leões” ou algo assim totalmente bizarro.

Você então pensará, não sem razão: essa Câmara dos Vereadores é um órgão formado por mentecaptos, sem qualquer noção e sem nada mais sério para fazer.

Sim, isso pode até ser um pouco verdade, mas “se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas…”, como disse Bismarck, saberia que não é bem assim.

Em verdade, não é o que parece. A Câmara dos Vereadores como um todo realmente terá aprovado esse projeto, como tantos outros, por unanimidade sem que ninguém tenha votado nele, especificamente e nem mesmo conscientemente. Os vereadores da Casa não avaliam os projetos que aprovam por unanimidade. Eles votam de olhos fechados, por baciada, em pacotes tipo “xis tudo”…

O que acontece é que há muitos anos o Legislativo é dividido entre duas forças antagônicas (o bloco do PT e seus aliados íntimos e o bloco do PSDB e seus aliados íntimos) e uma grande massa de vereadores de partidos sem maior força em si, todos reunidos em uma associação informal e suprapartidária, chamada Centrão, geralmente unida em torno de questões fisiológicas e de interesse paroquial.

O Centrão, quando unido, é a maior bancada da Câmara. Essa divisão impede a criação de maiorias programáticas.

Ao mesmo tempo, como o Congresso, em Brasília, os vereadores votam pouco. Uns trabalham pouco, outros trabalham muito, mas todos fazem mais política de gabinetes do que trabalho em plenário e comissões.

Então, quando há projetos de lei de interesse do Executivo ou importantes para cidade, que precisem ser votados com mais velocidade, os líderes fazem um acordo para votação de conjuntos de projetos.

Nessas votações em bloco, cada vereador indica um projeto de sua autoria que ele quer ver aprovado; o líder do governo indica um projeto de interesse do Prefeito que quer ver aprovado. Uns combinam de não vetar projetos dos outros por qualquer razão. É um álibi para um vereador petista votar um projeto do governo que criticou; de um governista votar um projeto de um petista ao qual se opõe; de um vereador do Centrão votar algo que não é de seu interesse. E assim, todos são aprovados “por unanimidade” mas muitas vezes sem que um saiba até mesmo qual é o projeto que aprovou do parceiro ou do adversário.

Os acordos não prevêem a sanção do projeto pelo Executivo. Isso não faz parte da barganha ou negociação. Assim, os projetos mais polêmicos são aprovados por unanimidade, o prefeito veta e fica por isso mesmo.

A metodologia foi adotada há vários anos e se perpetua. Foi contra ela que a então vereadora Soninha (na época no PT, hoje no PPS, sem mandato) se rebelou quando disse, pela primeira vez, que não queria mais ser vereadora, iniciando a trajetória de afastamento do Partido dos Trabalhadores e da Câmara dos Vereadores. Quando José Serra assumiu a Prefeitura, seu líder na Câmara, José Aníbal, usou muito do expediente para aprovar projetos de interesse do prefeito, que tinha minoria. Mas ele segue sendo usado na atual legislatura, em que o Executivo tem ampla maioria.

Assim foi aprovado o projeto de lei mais polêmico dos últimos meses, o da criação do “Dia do Orgulho Heterossexual”, do vereador evangélico Carlos Apolinário. Assim foram aprovados “por unanimidade” também projetos como aquele que dava passe livre em ônibus para todos os paulistanos sem carteira de trabalho assinada, sem ter que comprovar renda ou desemprego; ou aquele (que já tinha sido julgado inconstitucional pelo Supremo) que proibia Shoppings de cobrar estacionamento de quem fez compras acima de R$ 20,00.

Enfim, tantos projetos que causaram polêmica nos últimos anos e cujo destino já estava traçado quando foram aprovados em um “pacotão” de aprovações por unanimidade. Iam ser vetados e esquecidos. Mas que por algumas semanas concedem a seus autores mais do que os 15 minutos de fama que o artista pop Andy Warhol dizia ser direito de todos no mundo contemporâneo.