terça-feira, 6 de novembro de 2007

Artigo: O Bonde dos Irresponsáveis

JANIO DE FREITAS *

Em poses e cores para todos os gostos, hoje a TV e amanhã os jornais vão brindar-nos com imagens de um grupo de governadores, encabeçado por seu presidente, em viagem à Suíça sob a justificativa geral de fazer "lobby" pela indicação do Brasil para sede da Copa do Mundo de 2014.

O motivo citado é uma falsidade: o Brasil é candidato único, logo, não era necessária pressão alguma, a Fifa ficou sem alternativa. O que as imagens vão mostrar, de fato, não é um grupo de governadores com seu presidente, aquele que lhes solta verbas em troca de agrados, é o bonde dos irresponsáveis.

Bem à maneira carioca, assaltantes do Rio deram esse nome -bonde- ao tipo, digamos, de operação em que agem uns seguindo os outros, todos orientados para o mesmo objetivo. O bonde que se mostra na Suíça é uma contrafação do bonde carioca.

De olho no duplo objetivo de agradar a Lula e de explorar os entusiasmos ingênuos dos seus eleitorados, o grupo de governadores está contribuindo para o propósito irresponsável de desviar vários bilhões das necessidades mais prementes, para uma espécie de festa que não faz falta ao Brasil.

O arrazoado que a Fifa recebeu com o compromisso do governo brasileiro é um amontoado de mentiras. Tanto sobre condições já existentes para sustentar a candidatura à Copa, entre as quais estão referências à infra-estrutura e à segurança absolutamente forjadas, como sobre disponibilidades do país para cumprir as exigências em construção de estádios e de mais e gigantesca infra-estrutura pelo país afora, para os eventos da Copa e para os alegados milhões de torcedores estrangeiros.

Tostão, hoje tão admirável no jornalismo quanto foi no futebol, anteontem lembrou na Folha, em ponderações sobre a Copa no Brasil, o gasto gigantesco com o Pan no Rio. O gasto admitido é superior a quatro vezes o custo apresentado para trazer os jogos. E não está incluída grande parte das obras presentes no custo orçado, mas não saídas do papel, como o metrô da Barra.

Nunca foi apresentado o custo final e verdadeiro do Pan: é uma verificação que o Ministério Público Federal e o do Estado do Rio devem à população e à sua própria respeitabilidade.

O que se sabe de certo é que os dados oficiais não são confiáveis, ou por incompletos alguns, ou porque falsos. Sem falar nas manipulações que multiplicaram custos de obras e equipamentos como milagres do padrão de moralidade nacional.

O tal saldo, em turismo para o Pan e em aumento formidável dos visitantes futuros, não houve. O saldo em melhorias para a cidade, idem, porque não houve as tais obras. O saldo para o esporte está em um centro esportivo que a prefeitura nem ao menos conseguiu arrendar por uma ninharia, e lá está, na Barra, com o custo por se pagar e com a manutenção significando novos custos -e entregue aos mosquitos da dengue na Barra.

O novo estádio de futebol, um dos milagres da multiplicação de custos, foi arrendado ao Botafogo para um ou dois jogos por semana, enquanto o Maracanã, há 57 anos uma bomba de sugar recursos públicos, fica ocioso na maior parte das semanas.

A Olimpíada de 2004 custou à Grécia US$ 12 bilhões. Iria pagar-se com o turismo imediato, os patrocínios e, nos anos vindouros, com o incentivo adicional aos atrativos gregos para visitantes estrangeiros com poder aquisitivo.

Além do imenso rombo, por não se cumprir nenhuma das previsões de receita, a Grécia recebeu da Olimpíada um outro problema financeiro, sobre o qual nem cogitara: a vasta estrutura de construções esportivas e equipamentos não encontra uso que a justifique, mas o custo de conservação pesa muito nos recursos públicos.

Enrolado na CPMF, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, admitia ontem o aumento das verbas para a saúde, como retribuição aos votos oposicionistas, "em mais 1%, depois até 2%, 3%". Embora criada para financiar a saúde, a CPMF só é destinada a tal fim, pelo governo da justiça social, em 42% do total arrecadado.

A oferta de Mantega, portanto, com base na arrecadação de R$ 40 bilhões, representaria aumento entre R$ 400 milhões e R$ 1,2 bilhão para a saúde. Não há como fazer comparação com o custo da Copa, porque o seu custo orçado é mentiroso, e o acréscimo da roubalheira usual é imprevisível. Nem é preciso comparar: a oferta de Mantega subscreve a indigência dos serviços de saúde no país, no tratamento tanto aos pacientes como aos médicos, enfermeiros, hospitais e escassos postos de saúde.

Isso, porém, é motivo de inquietação para pessoas responsáveis, ou simplesmente pessoas. Não move o bonde dos irresponsáveis.

(artigo publicado na Folha de S. Paulo em 30/10)