segunda-feira, 7 de maio de 2007

Aproveitando o tema de Mangabeira...

Abaixo, a reprodução do artigo "Cadê o piloto?", de Sérgio Fausto, coordenador de Estudos e Debates do Instituto Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal O Estado de S. Paulo de sexta-feira, dia 5:

A destreza de Lula para safar-se da crise política que se abateu sobre seu governo com o escândalo do "mensalão" contrasta com a incapacidade demonstrada na gestão da crise que levou ao "apagão aéreo". Um leão na arena política, o presidente não revela as mesmas qualidades no campo administrativo.

Contraste análogo se observa entre a habilidade na montagem de um multipartidário ministério e a dificuldade em definir um rumo estratégico mais consistente para o seu segundo governo. Uma raposa no plano tático, faltam-lhe visão e sabedoria para além da disputa política mais imediata.

Esse jogo de contrastes define as qualidades e as limitações do presidente Lula e permite um juízo sobre as características de seu governo.

Trata-se de um governo de continuidade e adaptação. Continuidade, como já se disse tantas vezes, em relação à "herança maldita" do governo FHC (continuidade sem inovação e com alguns retrocessos). Adaptação às circunstâncias excepcionalmente favoráveis da economia internacional (quando mais se poderia ter feito). E adaptação também à lógica tradicional do sistema de poder. Essa foi levada ao extremo na composição de uma base de apoio parlamentar que agora alcança onze partidos, com presença dominante do PT, implicando uma acentuada partidarização do estado.

A combinação de continuidade e adaptação permitiu ao governo viabilizar-se politicamente e colher os frutos do mais extraordinário período da economia mundial desde o início dos anos 70. Respaldo político, câmbio barato, inflação baixa, crescimento concentrado nas faixas de menor renda, somados à ampliação dos programas de transferência de renda, unificados sob a marca do Bolsa Família, e energizados simbolicamente pela imagem e pela retórica do "pai dos pobres", deram a Lula um segundo mandato por larga margem.

A incorporação do PMDB à base de apoio, agora na qualidade de aliado preferencial, e o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, feito à imagem e ao gosto do “estatal-desenvolvimentismo”, mas com a manutenção de um BC "ortodoxo", selam a aposta que assegurou a Lula a superação da crise política em 2005 e a vitória em outubro de 2006.

Maior partido no Congresso, abrigado agora em cinco ministérios na Esplanada, o PMDB oferece ao governo proteção no Congresso contra assuntos e investigações indesejáveis, possibilidade de manter no ar a hipótese de mudança legislativa autorizando a disputa de um terceiro mandato (conveniente para refrear o desencadeamento precoce da disputa sucessória) e, quem sabe, um candidato viável à sucessão de Lula fora dos quadros do PT, o atual governador do Rio de Janeiro.

Coleção de iniciativas tópicas, o PAC oferece elementos de barganha e composição (legítimas) com setores chave, afora farto material de marketing político. É discutível se poderá multiplicar a renda e o emprego, mas é provável sua capacidade de alavancar novos recursos de poder. Sobra ao BC, o papel de avalista da estabilidade, num contexto de política fiscal expansionista e ausência de compromissos com uma agenda de reformas. Sintomática ausência, já que uma agenda de reformas acarretaria perdas tangíveis no curto prazo, embora pontuais, e benefícios gerais, mas só perceptíveis no longo prazo. Justamente a lógica inversa do PAC e de um governo guloso em acumular capital político, inapetente, porém, para gastá-lo em investimentos de baixo retorno eleitoral.

Um sucesso para os seus propósitos no horizonte dos próximos quatro anos, se a economia mundial continuar em céu de brigadeiro, o arranjo político e econômico orquestrado pelo governo Lula é insuficiente para permitir ao país fazer face aos seus principais desafios.

O governo não acordou ou desperta lentamente para as implicações de dois fenômenos que já estão mudando os dados do jogo global com enorme impacto sobre o Brasil: o deslocamento do pólo dinâmico da economia mundial para a Ásia e os impactos sociais e econômicos da mudança climática.

Pela visão rósea que até aqui prevaleceu, a China representaria apenas uma oportunidade para as nossas exportações de commodities. Esquece-se que ela suga matérias primas e produz volumes crescentes e diversificados de manufaturas. Competitiva em preços, com um exército industrial de reserva representado por 250 milhões de pessoas que deverão migrar do campo para as cidades nos próximos dez anos, a China ao mesmo tempo avança nos setores mais sofisticados em tecnologia, copiando, criando, investindo pesadamente em ensino superior, pesquisa e desenvolvimento. Estamos bem posicionados para enfrentar esse "tsunami"?

De igual modo, a mudança climática não traz apenas as oportunidades associadas aos biocombustíveis, na produção dos quais, em especial o etanol de cana de açúcar, o Brasil é muito competitivo. Estamos nos preparando para lidar com as necessidades de ajuste e reinvenção do padrão de desenvolvimento que ela implica?

São desafios de grande escala e complexidade, que não podem ser enfrentados com improvisos retóricos e manobras táticas. Exigem, ao contrário, definição de políticas de longo prazo, blindadas contra a política miúda, integração de diversas áreas e órgãos do governo, coordenação de instituições públicas e organizações privadas, mobilização de universidades e comunidades científicas de diferentes disciplinas.

Diante desses desafios, chama a atenção a inadequação do arranjo político e econômico em que se sustenta o governo Lula e chega a ser alarmante a falta de capacidade demonstrada para resolver uma "simples" crise do serviço de controle do tráfego aéreo.